Inflação leva mais estudantes a recorrer a refeições sociais

Uma refeição nas cantinas da Universidade de Lisboa custa 2,80 euros. A Associação Académica da Universidade de Lisboa e a Federação Académica do Porto já receberam vários pedidos de ajuda.

Foto
A Cantina Velha, da Universidade de Lisboa, está a servir cerca de 1600 refeições diárias Daniel Rocha

O aumento dos preços está a levar os estudantes a recorrerem mais às cantinas. A Cantina Velha da Universidade de Lisboa está a servir cerca de 1600 refeições diárias. Em 2019, antes da pandemia, servia 400.

Uma refeição custa 2,80 euros nas cantinas da Universidade de Lisboa (UL). “É mais barato do que a refeição confeccionada em casa”, justificou à Lusa Helder Semedo, do Conselho Geral da UL, que diz que há um aumento claro das vendas, com destaque para a Cantina Velha. Semedo diz que se nota que a inflação está a afectar a vida dos estudantes, “que se queixam de que antes pagavam cerca de 60 cêntimos por uma lata de atum e agora pagam 1,5 euros.”

O atum é apenas um exemplo da recente subida de preços, já que o valor do cabaz alimentar aumentou 22% no último ano. Se, em Fevereiro do ano passado, um cabaz custava 184 euros, o mesmo cabaz ronda agora os 230 euros, segundo contas da Deco divulgadas esta semana.

Para muitos alunos, a solução passa pelas cantinas das escolas, onde uma refeição inclui sopa, prato e fruta. Helder Semedo revelou que até os microondas, que antes tinham muita utilização, estão a ser pouco usados.

Pedidos de ajuda

À Associação Académica da UL já chegaram alguns pedidos de ajuda, segundo o seu presidente, Afonso Garcia. “O custo de vida de um estudante em Lisboa é muito superior ao de outras cidades, mas a verdade é que também no Porto e em Coimbra a situação está mais difícil”, afirmou.

A Federação Académica do Porto (FAP), que representa 70 mil alunos, confirmou que a situação é semelhante. “Têm chegado alguns pedidos de ajuda”, afirmou a presidente da FAP, alertando para a probabilidade de existir uma “realidade escondida pelo estigma.”

“Certamente que existem casos que não nos chegam pela vergonha de pedir ajuda”, partilhou Ana Gabriela Cabilhas. “O aumento dos preços é sentido pelos alunos no supermercado, em alimentos como carne, lacticínios, ovos, cereais, congelados ou enlatados.”

Além de mais, alunos à procura de refeições a preços sociais, no Porto aumentaram também as “filas para os microondas” de alunos que, provavelmente, antes almoçavam fora.

Segundo a presidente, “nota-se um aumento das dificuldades para suportar os custos associados à frequência do ensino superior em relação ao ano passado, mas também em relação ao semestre lectivo anterior”.

O orçamento disponível de muitas famílias está a diminuir. “Aumentou o custo dos alimentos no supermercado, aumentaram as despesas de habitação, de electricidade, mas também dos materiais de estudo, como é exemplo nos cursos de Arquitectura e Artes Plásticas, que já obrigam os estudantes a ter de fazer escolhas sobre que materiais abdicar de comprar”, detalhou Cabilhas, que diz que há famílias obrigadas a reduzir noutras despesas “para permitir que os filhos continuem a estudar.”

A situação poderá agravar-se, no próximo ano lectivo, caso o Governo não altere a actual legislação, que define que o valor das refeições nas cantinas está indexado ao IAS (Indexante dos Apoios Sociais). “O IAS aumentou e, se o Governo não avançar com medidas legislativas, as refeições podem subir para o dobro em Setembro”, alertou Helder Semedo.

Tanto a AAUL como a AFP realizaram em 2022 inquéritos aos alunos que revelaram haver uma percentagem elevada de jovens com dificuldades em pagar as contas e um número também elevado de estudantes que já tinha equacionado abandonar os estudos.

Em média, entre 10 e 12% dos alunos do 1.º ano desistem de estudar, segundo dados oficiais. A estes somam-se os números do acesso ao ensino superior que revelou que este ano mais de 10% dos alunos que entraram na primeira fase do concurso não se matricularam, ou seja, mais de cinco mil alunos colocados não concretizaram a sua inscrição.

Não há estudos sobre os motivos para não terem aceitado a vaga, mas o presidente da AAUL, Afonso Garcia, acredita que em muitos casos as questões financeiras foram decisivas.