Aya nasceu sob os escombros na Síria e agora teme-se que seja raptada

Recém-nascida perdeu a família mais próxima nos sismos da semana passada e muitas pessoas ofereceram-se para a adoptar. Dois homens armados entraram no hospital na terça-feira.

Foto
A pequena Aya, com menos de duas semanas de vida, nasceu num país devastado pela guerra e pelos sismos Anas Alkharboutli/DPA/Reuters

Hani Maarouf ficou incrédulo quando um homem e uma mulher lhe apareceram à frente com uma recém-nascida nos braços. A terra tinha tremido violentamente por duas vezes nessa segunda-feira e o pediatra do hospital Jehan, em Afrin, no Noroeste da Síria, quase não queria acreditar que tinha à sua frente uma bebé com muito poucas horas de vida, sem dúvida nascida já debaixo dos escombros.

“Eu não tinha a certeza sequer se ela estava viva. Estava pálida, fria, silenciosa. Os seus membros estavam azuis e o corpo coberto de feridas”, disse o médico na semana passada à Al Jazeera. Mas havia pulsação e a bebé, cuja mãe morreu soterrada nas ruínas da sua casa, em Jandaris, foi posta numa incubadora, ganhou peso e ficou fora de perigo.

Foi o pessoal do hospital que a baptizou com o nome que entretanto correu mundo: Aya, que significa “sinal de Deus”.

Na segunda-feira, uma semana depois de ter chegado ao hospital, o seu tio-avô disse à Associated Press que a menina poderia ter alta na terça ou na quarta e garantiu que a ia acolher e criar. Mas Salah al-Badran ficou ele próprio sem casa e está a viver com a família de 11 pessoas numa tenda. “Ninguém pode viver neste prédio. Apenas 10% dos prédios aqui [em Jandaris] são seguros para morar, os restantes estão inabitáveis”, relatou.

A história da sobrevivência de Aya entre destroços e com temperaturas baixíssimas foi noticiada um pouco por todo o mundo e não demorou muito até que começassem a chover manifestações de vontade em adoptá-la. Khalid Attiah, o director do hospital em que a bebé se encontra e cuja mulher, que foi mãe recentemente, está a amamentá-la, disse à BBC ter recebido dúzias de chamadas com propostas de adopção. “Não vou permitir que alguém a adopte agora. Até que a sua família regresse, vou tratar dela como se fosse minha [filha]”, disse Attiah.

Terá sido ele um dos protagonistas da escaramuça que se viveu no hospital na terça-feira, quando pelo menos dois homens armados entraram pelas instalações. De acordo com fontes que não se quiseram identificar, Attiah desconfiou do comportamento de um enfermeiro que tirou fotografias a Aya e, temendo que ele se preparasse para raptar a menina, despediu-o. Mais tarde, esse enfermeiro regressou com dois amigos armados e os três agrediram o director do hospital.

De acordo com uma denúncia do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, os homens armados pertenciam ao grupo rebelde Sultan Murad e a entrada no hospital foi “uma tentativa de raptar Aya e entregá-la ao regime em troca de grandes somas de dinheiro.” A organização acrescenta que esta foi “a terceira tentativa [de rapto] em 48 horas”.

Afrin e Jandaris situam-se no Noroeste do país, a muito pouca distância da fronteira turca, numa zona que se mantém sob o controlo de vários grupos armados que se opõem ao Governo de Bashar al-Assad. A maioria dos grupos que ali operam, como o Sultan Murad ou o chamado “Exército Nacional Sírio”, é directamente financiada e treinada pela Turquia ou tem com esta uma relação próxima. “Como a criança obteve muita atenção e interacções através de plataformas de redes sociais, o regime tenta raptá-la para polir a sua imagem perante os meios de comunicação mundiais e alegar que isto aconteceu em áreas que controla”, afirma o observatório.

“As alegações de rapto foram um mal-entendido. Este é um assunto interno do hospital sem qualquer relação com a bebé”, disse à BBC o director regional de saúde de Afrin, Ahmad Hajj Hassan. A polícia já estava à cabeceira de Aya para a proteger das pessoas que apareceram no hospital alegando que são seus familiares, mas depois do incidente foi levada para outro local, não revelado.

A UNICEF calculou na segunda-feira que mais de 2,5 milhões de crianças tenham sido directamente afectadas pelos sismos do dia 6. “Temos de fazer tudo ao nosso alcance para garantir que toda a gente que sobreviveu a esta catástrofe receba suporte básico de vida, incluindo água potável, saneamento, bens essenciais de nutrição e saúde e apoio à saúde mental das crianças. Não apenas agora, mas a longo prazo”, disse a directora executiva da organização, Catherine Russell, citada em comunicado.

O mesmo documento garantia que “a protecção das crianças é uma prioridade para a UNICEF, incluindo a identificação e reunificação de crianças separadas [das famílias] e as não acompanhadas.”

Sugerir correcção
Comentar