In memoriam de Luis Sepúlveda
Mundo Sepúlveda, com textos do escritor chileno e fotografias de Daniel Mordzinski, é lançado no Correntes d’Escritas com O Caçador Descuidado — Poesia Reunida (1967-2016).
Numa crónica que Luis Sepúlveda (1949-2020) escreveu em 2014, intitulada Um rebuçado de sessenta e duas páginas e publicada em Mundo Sepúlveda, livro-homenagem com textos seus que estavam dispersos e fotografias de Daniel Mordzinski, o escritor chileno conta a história dos irmãos Arancibia, impressores. Recorda como aos 16 anos viu impresso o seu primeiro livro de poemas, Crepusculário da Tristeza, na gráfica dos exilados espanhóis.
“Ignoro quanto tempo permaneci em silêncio, com o livro nas mãos, acariciando-o, lendo uns versos que me pareciam bonitos e alheios, até que o mais velho dos Arancibia me interrompeu.
— Muito bem, filho. Quanto dinheiro tens? — Sem a menor vergonha confessei-lhe que muito pouco, mas que no fim do mês disporia de qualquer coisa mais. O mais velho dos Arancibia olhou para mim e disse talvez as mesmas frases repetidas a centenas de escritores chilenos:
— Chega-te para levar dois exemplares mais outros dois que te entrego a crédito. Os teus livros estão aqui, à tua espera.”
Esta crónica remete-nos para O Caçador Descuidado — Poesia Reunida (1967-2016), edição bilingue que reúne a poesia de Sepúlveda. Tem selecção e edição de Alejandro Céspedes, prefácio de José Luís Peixoto e tradução de João Duarte Rodrigues. “Agora que no ocaso de um século da maior vergonha/ se foram as causas pelas sarjetas/ e se tornaram infames os mais altos propósitos.// Engoliram a língua os poetas/ (…)”, assim começa Por onde se Perdeu a Poesia?, um dos poemas.
Em Fevereiro de 2020, Luis Sepúlveda participou pela última vez no festival Correntes d’Escritas, cuja 24.ª edição começa esta terça-feira na Póvoa de Varzim. Foi ali que Daniel Mordzinski abraçou pela última vez o seu amigo de há 30 anos. O autor de O Velho que Lia Romances de Amor morreu dois meses depois, em Espanha, com covid-19.
“Mundo Sepúlveda nasce da minha necessidade de pôr um ponto final neste luto e é uma ponte transversal entre literatura e fotografia, são flashes de uma ‘fotobiografia’ que inclui textos de Luis, na sua maioria inéditos em Portugal, que dialogam com as minhas fotografias”, explica o fotógrafo argentino (que actualmente vive em Lisboa) na introdução deste seu livro que é traduzido por J. Teixeira de Aguilar.
As fotografias abrangem várias épocas e estão lá as icónicas — Sepúlveda com luvas de boxe, por exemplo — e outras mais íntimas, em família. Entre os textos mais emocionantes estão aqueles em que Sepúlveda fala sobre os filhos e reflecte sobre o pai que foi. “Muitas destas imagens serviram de moldura a alguns dos seus relatos mais famosos e aproximam-nos de um Lucho que é muitos ‘Luchos’: o narrador, o cineasta, o poeta, o combatente, o pai, o camarada, o amigo”, escreve ainda Mordzinski no prólogo deste livro que partiu da necessidade do fotógrafo “transformar a dor e o desassossego em criação.”
Os dois livros serão lançados na sexta-feira, pelas 19h, no Correntes d’Escritas, Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim.