Catarina Martins vai deixar liderança do Bloco de Esquerda
Catarina Martins anunciou que não será candidata a coordenadora na próxima convenção nacional do Bloco.
À frente do partido há uma década, Catarina Martins anunciou esta terça-feira que não será recandidata a coordenadora na próxima Convenção Nacional do Bloco de Esquerda (BE).
Considerando que a "instabilidade da maioria absoluta" do PS e a "crise multiplicada dentro do Governo e em choque com a luta popular" são "um sinal do fim de um ciclo político", a líder cessante justificou a decisão de deixar a liderança do BE com o facto de no Bloco não haver “períodos de funções muito longos” porque o partido gosta da “cultura democrática” e por considerar que “é agora que o Bloco deve começar a preparação da mudança política que já aí está”.
“Faço-o publicamente porque um partido de milhares de aderentes com relações quotidianas em tantas lutas e causas com dezenas de milhares de pessoas e centenas de milhares de eleitores merece que diga com toda a clareza o que pretendo fazer”, afirmou Catarina Martins, sublinhando que devia este esclarecimento aos militantes por "lealdade” e para que todas as “listas que concorrem à direcção tenham toda a informação”.
Em conferência de imprensa na sede nacional do partido, a bloquista assinalou que os dez anos em que esteve à frente do partido foram "um tempo extraordinário" em que o Bloco teve "vitórias e derrotas" tanto nas eleições, como nos movimentos e lutas sociais ou na frente parlamentar que são "parte importante" do "combate" do Bloco — e admitiu que o desastre eleitoral de 2022 foi uma "pesada derrota". Mas frisou que o que tem de guiar o partido neste momento é "a coerência e o compromisso com o povo".
A deputada recordou, em particular, os tempos da "geringonça", de 2015 a 2019, em que "o PS foi obrigado a assinar um acordo escrito sobre políticas de negociação" que permitiu ao país respirar de "alívio" e iniciar "a recuperação da vida de quem trabalha".
"A geringonça foi o princípio do respeito", declarou Catarina Martins, sublinhando que "ficou muito por fazer", mas vincando que a solução de governação à esquerda permitiu avançar "no combate à precariedade, no respeito pelas pensões, na universalidade dos serviços públicos", na tributação "do imobiliário milionário" e na recuperação do "salário mínimo nacional", assim como travar "várias privatizações".
A agora ex-coordenadora lamentou, contudo, que a maioria absoluta dos socialistas, conquistada em Janeiro do ano passado, tenha vindo "mostrar que o PS nunca se conformou com este caminho e está mesmo a reverter algumas das medidas da geringonça".
"No país não há quem não veja agora como a maioria absoluta tem servido um sistema de apadrinhamento, de favores e de autoritarismo”, disparou, acusando António Costa de estar a impor uma "viragem à direita" ao país.
É necessário "virar à esquerda"
Perante este cenário de um "tempo novo" com "velhos fantasmas", "ódios racistas" e os "poderes de sempre", Catarina Martins assinalou que é necessário "virar à esquerda" e garantiu que o Bloco lá estará, apesar da saída da coordenadora, na "luta por tudo o que está por conseguir", nomeadamente, na escola pública, na saúde, na igualdade, na habitação, nas pensões ou no ambiente.
"Acredito que esta renovação que quero promover vai multiplicar a energia do Bloco", assegurou, deixando ainda a promessa de que não vai "andar por aí". "Eu estou aqui, eu sou daqui, o Bloco é o partido onde eu estou e vou estar em todas as lutas", disse.
Deixou ainda a certeza de que abandona a coordenação "com a tranquilidade de ter feito o melhor que podia" e de que "o Bloco tem hoje um amplo reconhecimento popular pela sua coerência".
Questionada pelos jornalistas sobre quem será o sucessor ou a sucessora, Catarina Martins sinalizou que "há muitas pessoas com capacidade, força e preparação para assumir estas funções", mas não indicou nomes. Já sobre se continuará como deputada, diz que está a "assumir" o mandato.
Catarina Martins assumiu a coordenação do partido há 11 anos, em 2012, numa liderança bicéfala com João Semedo. Com a saída do deputado do Porto da direcção, em 2014, a bloquista tornou-se porta-voz do partido que passou a ser gerido por uma comissão permanente durante dois anos. Em 2016, já depois das eleições legislativas e presidenciais que deram ao BE os melhores resultados da sua história, sobe a coordenadora nacional do Bloco.
A líder bloquista sucedeu a Francisco Louçã, o primeiro coordenador do BE desde 2005, que deixou o partido no seguimento de um mau resultado eleitoral — o Bloco passou de 9,82% de votos em 2009 para 5,17% em 2011 — e de pedidos internos de renovação dos quadros dirigentes.
Tal como há uma década, também a actual direcção do BE enfrenta críticos internos, que exigem mudanças depois do maior rombo eleitoral do partido nas legislativas de 2022 — passaram de 9,52% dos votos em 2019 para 4,40%. E, tal como Francisco Louçã, também Catarina Martins deixou o Bloco não imediatamente após as eleições, mas depois de um ano a segurar o partido.
Catarina Martins é deputada na Assembleia da República pelo círculo do Porto desde 2009, altura em que foi eleita como independente pelo Bloco, tendo integrado a direcção do Bloco em 2010.
O cenário de uma mudança na coordenação nacional do Bloco já estava em cima da mesa com a aproximação da Convenção Nacional do partido. Numa entrevista ao PÚBLICO na semana passada, Luís Fazenda, fundador do partido, não confirmou nem desmentiu a saída da coordenadora do Bloco de Esquerda, mas assinalou que embora Catarina Martins tenha "condições para continuar", "o Bloco tem alternativas".
Antes, Pedro Filipe Soares tinha afirmado, também em entrevista ao PÚBLICO, que não via no partido "vontade de mudar de líder" e que se Catarina Martins mantivesse disponibilidade para continuar como coordenadora, não existiria "nenhuma necessidade que leve a essa alteração".
Outros dirigentes haviam sinalizado igualmente ao PÚBLICO que a bloquista deveria manter-se na liderança por ser a pessoa com melhor preparação para o cargo e porque o Bloco não tem uma cultura de "fazer rodar cabeças", mas deixavam também nas mãos da bloquista a decisão.
Depois de meses de especulação e um apertar de críticas dos opositores internos, Catarina Martins acabou com as dúvidas a tempo da data limite de apresentação das candidaturas à direcção. A Convenção Nacional do Bloco está marcada para 27 e 28 de Maio e os militantes terão de entregar já no próximo dia 27 deste mês as moções orientadoras que serão depois votadas na reunião magna, onde se decidirá que lista integrará a direcção e o rumo do partido.