Governo do Camboja encerra um dos últimos órgãos de comunicação independentes

O Voz da Democracia foi acusado pelo primeiro-ministro Hun Sen de ter prejudicado a reputação do Governo.

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O Voz da Democracia deixou de poder publicar artigos a partir desta segunda-feira EPA/KITH SEREY

O primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, ordenou o encerramento o Voz da Democracia, um dos últimos órgãos de comunicação independentes do país.

Hun Sen acusou o VD de ter publicado um artigo que prejudicou a imagem do Governo e, por isso, deu ordens para que a licença fosse cancelada a partir desta segunda-feira. “Comentadores tentaram atacar-me a mim e ao meu filho Hun Manet”, afirmou o primeiro-ministro através de uma publicação nas redes sociais. O artigo pôs em causa a “dignidade e reputação” do Governo, continuou.

Na quarta-feira, o VD publicou um artigo em que citava um porta-voz do Governo que dizia que o filho do primeiro-ministro, que é vice-comandante das Forças Armadas do país, assinou o decreto que autorizou o envio de ajuda humanitária para a Turquia, na sequência dos sismos. No entanto, a autorização para o envio de ajuda externa é competência do chefe do Governo, o que significava que Hun Manet estaria a ultrapassar os limites dos seus poderes.

O Centro Cambojano para os Media Independentes, a organização não-governamental que gere o Voz da Democracia, pediu desculpas públicas pela “confusão” criada pela notícia, dizendo que apenas citou um porta-voz do Executivo.

Porém, Hun Sen considerou inaceitável o pedido de desculpas e deu ordem ao Ministério da Informação para revogar a licença de emissão do VD. Na sua publicação, o primeiro-ministro aconselhou os financiadores estrangeiros do órgão de comunicação a retirarem o seu dinheiro e disse aos trabalhadores para procurarem emprego noutros locais.

Esta manhã, a polícia deslocou-se à redacção do VD, em Phnom Penh, com o mandado de revogação da licença, de acordo com informações confirmadas pela BBC. O acesso ao histórico de notícias nos serviços inglês e khmer da publicação foi fechado por alguns fornecedores de Internet.

“As pessoas estão chocadas e ainda a tentar processar isto”, disse o editor Ananth Baliga à BBC. “Foi um prazo muito acelerado desde a publicação do artigo até à suspensão da licença”, acrescentou. A organização que geria o VD é financiada por várias embaixadas estrangeiras e grupos de defesa da liberdade de imprensa e informação como o Repórteres Sem Fronteiras ou a Transparência Internacional.

O investigador do grupo CIVICUS, Josef Benedict, considera que o encerramento do VD é “ataque ao espaço cívico e à liberdade de imprensa” no Camboja.

Não é a primeira vez que um órgão de comunicação independente é fechado por acção do Governo. Em 2017, o Cambodia Daily, considerado um jornal de referência e conhecido por abordar temas incómodos para a elite política e económica do país, anunciou o seu encerramento por não ter condições para pagar uma dívida no valor de quase seis milhões de euros em impostos. O processo foi considerado pelos editores do Cambodia Daily uma forma para forçar o seu fecho.

O encerramento do Cambodia Daily ocorreu a poucos meses das eleições legislativas de 2018, ganhas com facilidade pelo Partido do Povo de Hun Sen, que se encontra no poder desde 1985. Desta vez, o fecho do Voz da Democracia também surge a pouco tempo das eleições, marcadas para Julho.

A repressão no Camboja tem-se acentuado nos últimos anos. Em 2017, o principal partido da oposição foi dissolvido pelo Supremo Tribunal, deixando o Partido do Povo na prática como partido único.

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