Quanto pagaremos mais (ou menos) se o novo hospital tiver isolamento de base?
Está para ser construído o novo hospital de Lisboa, um pilar central nas respostas nacionais em caso de emergência. Todavia, o seu projeto, já adjudicado, não prevê o isolamento sísmico de base.
O recente sismo na Turquia veio, uma vez mais, relembrar o estado em que nos encontramos no que se refere à resiliência sísmica do edificado em Portugal.
É do conhecimento da comunidade científica o deficiente estado em que se encontra uma grande parte dos edifícios existentes, principalmente aqueles que foram construídos antes da década de 80.
Em 2012, a Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica referiu que:
Em Portugal considerando uma hipótese pessimista, mas plausível, podem morrer dezenas de milhar de pessoas com prejuízos que podem ser da ordem do PIB. Cenários de sismos menos intensos mas com elevada probabilidade de ocorrência, podem originar prejuízos de 10.000 milhões de euros, ou seja o custo de dez pontes Vasco da Gama com centenas ou milhares de mortos.
No entanto, as preocupações principais após um sismo devem ser os edifícios de grande utilização coletiva, tais como escolas, infraestruturas da proteção civil e hospitais, que devem obrigatoriamente permanecer operacionais.
Nesta reflexão, concentremo-nos apenas nos hospitais:
Em países onde ocorreram sismos de média a grande intensidade, os hospitais construídos com sistema de isolamento sísmico (um sistema inovador que isola a estrutura dos movimentos do solo) permaneceram operacionais mesmo após o sismo, tal como ocorreu na zona afetada pelo sismo na Turquia, onde vários hospitais recentemente construídos com esta técnica estão totalmente operacionais e a apoiar as populações
Neste momento, está para ser construído o novo hospital de Lisboa, uma unidade estratégica do SNS para o sul do país. Provavelmente será a unidade mais bem equipada do país e um pilar central nas respostas nacionais em caso de emergência, incluindo os sismos. Todavia, este hospital não prevê no seu projeto, já adjudicado, o isolamento sísmico de base.
Esta opção vai contra o bom senso da experiência mais do que comprovada, de que a utilização dos sistemas de isolamento de base são o maior garante da operacionalidade dos hospitais (o mesmo se aplica a outras infraestruturas críticas) no momento imediato pós sismo, bem como da garantia de ausência de danos nos equipamentos hospitalares, que normalmente representam um custo comparável ao da edificação.
Esta é uma perspetiva partilhada:
1. A opinião da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica e quase absolutamente da comunidade da engenharia civil;
2. A decisão aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa sobre “Prevenção e minimização do risco e reforço da resiliência sísmica em Lisboa (30 de abril de 2019), em que urge a utilização de sistemas de isolamento de base na construção de novos hospitais e outras infraestruturas críticas”;
3. A opinião da equipe técnica do Resist – a comissão de resiliência sísmica da Câmara Municipal de Lisboa;
4. As especificações técnicas da Administração Central do Serviços de Saúde sobre a construção de edifícios sismo-resistentes que mencionam “É de referir que o isolamento de base é particularmente adequado para edifícios considerados essenciais, como os hospitais, que precisam de se manter totalmente operacionais após a ocorrência de um sismo";
5. As práticas seguidas em outros países, onde a utilização de sistemas de isolamento de base é obrigatória, casos da Turquia e do Perú, ou onde já é universalmente adotada, de que são exemplos a Itália, Nova Zelândia, Japão e Estados Unidos.
Na posição oficial do Ministério da Saúde, baseada em parecer jurídico e expressa pelo dr. Manuel Pizarro, o novo hospital irá cumprir a legislação em vigor, porém após um sismo será necessário algo mais do que um parecer jurídico. Precisamos de hospitais que atendam a população e que permaneçam operacionais de imediato e que cumpram o que se espera do Estado – estar ao serviço da população quando esta mais necessita.
No que se refere aos custos do sistema sísmico de isolamento de base, sendo instalados durante a fase da construção do edifício, poderá até ser mais barato que a construção convencional, dado ser uma estrutura mais leve com menos necessidade de reforço.
No caso único existente em Portugal que é o Hospital da Luz, cujo investimento global foi de 150 milhões de euros, o isolamento sísmico custou 0,8 % do valor do empreendimento, correspondendo a uma semana de faturação do hospital...
O programa de PPP para o novo hospital determina que a infraestrutura física é da responsabilidade do consórcio vencedor e a operação incluindo o equipamento é da responsabilidade do Ministério da Saúde. De acordo com dados de 2017 o equipamento que o Ministério da Saúde pretende instalar no hospital corresponderá a 100 milhões de euros. Equipamentos sensíveis e que no caso de um sismo poderão ficar inoperacionais por períodos alargados no tempo.
Parece clara a inexistência de argumentos técnicos para que o sistema de isolamento de base não seja adotado no Novo Hospital de Lisboa Oriental. Quanto à questão relativa aos custos também não parece relevante, mas em caso de dúvida, que o Ministério da Saúde ou a Assembleia da República coloquem a pergunta:
- Quanto a mais (ou a menos) iremos pagar se construirmos o novo hospital com isolamento de base?
Esta pergunta, pelo que se saiba, não foi feita e parece ser do interesse de todos que seja feita uma análise comparativa das duas soluções. Com argumentos técnicos nas mãos, e não meramente um parecer jurídico, deverá ser tomada a decisão referente ao tipo de solução a utilizar. Existem precedentes, como no novo Aeroporto de Lisboa, em que uma decisão final foi revogada por forma a melhor fundamentar a mesma e o novo hospital, apesar de ter recebido menos atenção mediática, não é menos estratégico para o comum do cidadão.
É nossa opinião que a não utilização de isolamento de base será um erro que eventualmente iremos pagar bastante caro no evento de um sismo.
Este erro já foi feito no que toca ao novo Hospital Central do Alentejo, ao Hospital de Proximidade de Sintra, dois dos exemplos de infraestruturas que podem estar destinadas ao fracasso no caso da ocorrência de sismos intensos…
Em artigo publicado no PÚBLICO há aproximadamente dois anos atrás referíamos que a não utilização do PPR na reabilitação sísmica era uma oportunidade perdida.
Nenhum país está totalmente preparado para um sismo de elevada magnitude, mas podemos estar melhor preparados e é irresponsável apostar numa solução em que o hospital de retaguarda para a região de Lisboa poderá vir a ser o São João no Porto ou os Hospitais da Universidade de Coimbra.
É importante que o leitor perceba que este não é um problema meramente político ou de engenharia, mas essencialmente de cariz social, porque num sismo qualquer um de nós poderá estar sob os escombros e todos iremos conhecer alguém que irá precisar de ajuda. É importante que nós, cidadãos, mantenhamos o apoio à comunidade científica e a pressão sobre os decisores políticos, para que tomem decisões de forma fundamentada.
Convém não esquecer que o hospital mais caro é o que não cumpre os seus objetivos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico