China lamenta entrada de “balão meteorológico” no espaço aéreo dos EUA

Aparelho sobrevoou o Montana, onde se encontra um centro de comando do arsenal de mísseis balísticos intercontinentais dos EUA. Em resposta, a Casa Branca adiou uma visita de Antony Blinken à China.

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O aparelho não foi abatido por causa dos riscos da queda de destroços sobre a população, diz a Casa Branca Reuters/Chase Doak

O Governo da China admitiu, nesta sexta-feira, que um balão de grande altitude detectado nos últimos dias no espaço aéreo dos Estados Unidos é seu, e lamentou que o aparelho — que diz ser "de uso civil, principalmente para investigação meteorológica" — se tenha "desviado do seu curso devido aos ventos de oeste".

"A aeronave é da China", disse a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning, num comunicado publicado ao início da tarde desta sexta-feira. "A China lamenta a entrada involuntária da aeronave em espaço aéreo dos Estados Unidos por motivos de força maior. Continuaremos a comunicar com os EUA para gerirmos da melhor maneira esta situação inesperada."

A justificação de Pequim não foi suficiente para acalmar os ânimos nos EUA, e a Casa Branca anunciou o adiamento de uma visita do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, à China. Blinken era esperado em Pequim no domingo, para um encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Qin Gang, e com o Presidente chinês, Xi Jinping.

A notícia de que o Pentágono detectou a presença de um "balão de espionagem chinês" no espaço aéreo norte-americano — e a sobrevoar um estado central na rede de mísseis balísticos intercontinentais dos Estados Unidos — veio agravar a tensão entre os dois países em vésperas de uma reunião importante em Pequim, e está a ser usada como arma de arremesso na luta política entre o Partido Republicano e o Partido Democrata.

O balão — um aparelho enorme, do tamanho de três autocarros — foi detectado pelo Pentágono quando sobrevoava as ilhas Aleutas, no Alasca, tendo depois atravessado a costa oeste do Canadá. A meio da semana, foi avistado a sobrevoar o estado norte-americano do Montana, na fronteira entre os dois países.

É no Montana — um estado quatro vezes maior do que Portugal continental, e com pouco mais de um milhão de habitantes — que se localiza a Base Aérea de Malmstrom, um dos três centros de comando do arsenal de mísseis balísticos intercontinentais dos EUA. Juntamente com outras duas bases nos estados vizinhos do Wyoming e do Dacota do Norte, Malmstrom é responsável por centenas de mísseis Minuteman III e Peacekeeper.

Num curto comunicado emitido na noite de quinta-feira, o Governo do Canadá deu conta de um “potencial segundo incidente” no seu espaço aéreo, sem avançar pormenores. Ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa do Canadá afirmou que “os canadianos estão seguros” e disse que o país “está a adoptar medidas para garantir a segurança do espaço aéreo”.

Nos EUA, o secretário da Defesa, Lloyd Austin, convocou uma reunião ao mais alto nível para planear o acompanhamento da situação pelas Forças Armadas norte-americanas.

Abate recusado

Numa conferência de imprensa, na noite de quinta-feira, o porta-voz do Pentágono, o brigadeiro Patrick S. Ryder, disse que o trajecto do balão está a ser acompanhado pelos EUA e garantiu que “foram tomadas medidas de protecção contra a recolha de informação sensível”, sem avançar pormenores.

A medida mais drástica possível — o abate do aparelho — terá sido recusada pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, por recomendação do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o general Mark Milley. Um alto funcionário do Pentágono, citado pela CNN sob anonimato, disse que a recomendação dos líderes militares foi feita após uma avaliação de risco-benefício.

“A primeira questão era saber se [o balão] representava uma ameaça física para indivíduos no território dos Estados Unidos. Segundo a nossa avaliação, isso não se verificava. Depois, avaliámos se estaria em causa uma ameaça agravada no que diz respeito à recolha de informação. Isso também não estava em causa”, cita a CNN. E, segundo o porta-voz do Pentágono, o balão está a sobrevoar os EUA a uma altitude “muito acima do tráfego aéreo”.

Perante este cenário, a possibilidade de os destroços do balão poderem atingir pessoas ou habitações no solo — mesmo num estado tão pouco povoado como o Montana — “não justificava o seu abate”.

Desvalorização

Em todas as comunicações oficiais do Pentágono e da Administração Biden notou-se um esforço para desvalorizar a ameaça do sobrevoo do balão.

Segundo os responsáveis citados nos media norte-americanos, não é a primeira vez que um balão deste género é detectado no espaço aéreo dos EUA, e é pouco provável que a recolha de informações através deste meio acrescente algo à rede de satélites que a China tem em redor do planeta.

Ainda assim, os especialistas salientam algumas diferenças em relação a outros acontecimentos semelhantes no passado recente, destacando-se o facto de este balão estar a sobrevoar os EUA durante mais tempo do que é habitual, e a passar por alguns locais de grande importância militar — como a região dos três estados do Noroeste onde se concentra grande parte do arsenal de mísseis balísticos intercontinentais norte-americanos.

“É possível que a China esteja a monitorizar o tráfego dos nossos telemóveis e os sinais de rádio, e também as redes de comando e controlo do Governo”, disse o coronel na reforma Cedric Leighton, comentador de assuntos militares na CNN. “O balão pode estar a ser usado como um reforço dos satélites, para recolher informação de difícil acesso por outros meios.”

Também é possível que a China tenha perdido o controlo do balão, disse à CNN Blake Herzinger, um perito em defesa do Indo-Pacífico no American Enterprise Institute, com sede em Washington — um cenário que seria adoptado pelo Governo chinês, na tarde desta sexta-feira, como a versão oficial dos acontecimentos.

“Há pelo menos alguma possibilidade de se tratar de um erro, com o balão a ir parar a um sítio que Pequim não esperava”, disse Herzinger.

Numa primeira reacção, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China tinha dito que o país estava “a tentar perceber as circunstâncias” em redor das notícias sobre o balão de espionagem. “Esperamos que os dois lados sejam capazes de gerir esta situação com calma e prudência”, disse Mao.

Republicanos criticam Biden

Seja qual for a gravidade da ameaça para a segurança nacional dos EUA, o sobrevoo do balão veio agravar o clima de tensão entre Washington e Pequim, a poucos dias daquela que seria a primeira visita do secretário de Estado norte-americano à China.

Na quinta-feira, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, anunciou que os militares norte-americanos obtiveram acesso a mais quatro bases filipinas, a maioria viradas na direcção de Taiwan — um acordo com o Governo das Filipinas que a China classificou como um acto de manipulação dos países da região por parte dos EUA.

O balão dominou também as atenções no Congresso norte-americano, com o Partido Republicano a acusar Biden de não ter agido com força suficiente perante “o descarado desrespeito da China pela soberania dos Estados Unidos”, segundo as palavras do líder da Câmara dos Representantes, o republicano Kevin McCarthy.

Nesta sexta-feira, e em resposta a um pedido de McCarthy, a Casa Branca transmitiu todos os pormenores da situação ao Grupo dos Oito — os oito congressistas norte-americanos que têm acesso directo a informações confidenciais por parte do poder executivo, e que incluem os quatro líderes partidários nas duas câmaras do Congresso e os quatro presidentes e vice-presidentes das comissões de serviços secretos do Senado e da Câmara dos Representantes.

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