Não se mudam as riscas às zebras
Não há orgulho em ser-se humano, pertencer a esta espécie é uma espécie de desgraça natural. Se eu fosse um animal seria uma zebra. Deve dar orgulho ser zebra. Não se montam as zebras.
Desromantizemos a palavra humanidade, os seres humanos são os maiores parasitas que a terra há-de comer. Destruímos, sujamos e comemos o planeta de forma monstruosa.
Não tenho dúvidas: somos monstros. Investimos tanto dinheiro e esforço na ficção para criar monstros e situações paranormais quando devíamos ter medo uns dos outros. Medo, sim, somos perigosos, fatais para a nossa e as outras espécies.
Não há orgulho em ser-se humano, pertencer a esta espécie é uma espécie de desgraça natural. Gostava de ser um animal não humano. Se eu fosse um animal seria um equídeo, não um cavalo ou um burro, mas uma zebra. As minhas crinas estariam sujas, as patas cheias de lama nos raros dias de tempestade, e o riscado branco e preto do meu pêlo tornar-se-ia esbranquiçado graças ao pó solto da terra, dadas as altas temperaturas do Verão.
Nenhum humano, homem ou mulher, me poria os olhos em cima. Só me deixaria ser visto por outros animais equídeos ou seres selvagens, fossem ou não da minha espécie. A minha casa seria a natureza no seu estado selvagem e eu própria a minha única dona. Viveria numa planície em África e gastaria os meus dias a existir por existir, sem qualquer pensamento, apenas guiada pelo instinto. Teria o meu próprio harém de fêmeas robustas, como qualquer outro macho equídeo. As minhas fêmeas trariam ao mundo outros espécimes da minha raça, com o meu sangue.
Deve dar orgulho ser zebra. Não se montam as zebras. As zebras são agressivas e hostis perante as tentativas de domesticação, nunca se deixaram vergar. É verdade que se fosse uma zebra podia morrer enfrentando as balas e acabar feita em tapete, ainda assim teria mais vaidade nisso do que em ser humana. Nenhuma tentativa de domesticação me mudaria as riscas. Nada me podia impedir de morrer selvagem como nasci.
Os animais que chamamos selvagens, nunca os vimos comer o que não lhes faz falta, por vingança ou gula. A humanidade, nós humanos, até as flores comemos. Comemos tudo aquilo que mexe e o que não mexe à face da Terra. Somos uma praga.
Eu prefiro ser uma zebra. Uma zebra exposta às intempéries da savana. Um bicho atarracado de coluna frágil, é também por isso que não levamos ninguém às costas, um bicho às riscas, o dálmata da savana. Hostil e terrível, segundo os seres humanos. Mas o meu desejo é nada saber sobre o que pensam os humanos. Não conhecer nenhum homem ou mulher, desconhecer a natureza dos exemplares desta espécie. Pouco ou nada saber do mundo. Permanecer selvagem. Às zebras não se lhes mudam as riscas.