Ao lado dos professores, pais e alunos que lutam pela escola pública
Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram.
É com estes que sempre alinhei e continuarei a alinhar enquanto tiver voz. A luta dos professores, numa determinação e intensidade nunca vista, traz ao de cima a degradação a que chegou este grande pilar de qualquer sociedade democrática.
Antes de me pronunciar por esta luta que, a todas as horas, nos entra em casa, através de todos os canais de televisão nacionais, detenhamo-nos na referida degradação, afirmando, desde já, que não estou aqui para agradar ou desagradar a quem quer que seja. Estou apenas a revelar a análise que faço de um problema nacional que sempre me preocupou.
À semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há quase 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade que libertou. Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação. E, aqui, a Escola falhou completamente. Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram.
A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma parcela importante da nossa população, a irracionalidade e violência associada ao futebol são prova dessa absoluta falência e a sucessiva e elevada abstenção em actos eleitorais, são a prova provada desse falhanço.
Parcela importante da nossa população, a quem a Escola deu diplomas, mas não deu a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena. Educação, formação e preparação, três grandes défices que o Dr. António Costa, em começos do seu mandato como primeiro-ministro, vai para sete anos, disse serem sua grande preocupação. Défices que o populismo, a que a democracia deu voz, a arrasta para um modelo de sociedade que a História já mostrou que sempre, a todos, amordaçou. No que respeita o nível e exigência de ensino nas nossas escolas, não aprendemos nada com o ideal da Instrução Pública posto em prática na Primeira República. No preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911, lê-se: “Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias.”
Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o que o rodeia. Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça.
Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital.
Ocorre-me dizer que levamos quase cinco décadas, em que o “gosto pelo saber” foi institucionalmente substituído pela preocupação com o “sucesso escolar”, visando as estatísticas. Claro que há muitos bons professores que contrariam esta política, mas a generalidade do sistema que governa este importantíssimo sector da vida nacional, mais do que ensinar, promove a amestragem dos alunos a acertarem nas questões que lhes são colocadas nos exames finais. Neste quadro decepcionante, todos perdemos. Perdem os professores, amarrados que estão a directrizes que não controlam, perdem os alunos e, em consequência, perdemos todos e perde Portugal.
Postas esta considerações prévias, voltemos à luta dos professores.
Devo começar por dizer que tenho pena do ministro da Educação e do seu apagado secretário de Estado, ao vê-los vaiados por multidões de manifestantes. Acompanho o seu desconforto no papel de escudo do seu próprio Governo face à pressão reivindicativa de professores, pais e alunos. É por demais evidente que o Dr. João Costa vai para a mesa das negociações com os representantes dos professores, bem ciente das “linhas vermelhas” que não pode ultrapassar ou, melhor dizendo, que o ministro das Finanças lhe impõe. Mas o que me vem à ideia, é que ele as aceita, porque, caso contrário, já teria “batido com a porta”.
Mais uma vez, é minha convicção que os temas ou pontos em debate, todos, sem excepção, não passam de remendos num edifício obsoleto, de há muito a precisar de ser demolido, alicerces incluídos, para, em seu lugar, surgir outro, concebido e levado a cabo, numa profícua colaboração entre governos e oposições, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar, visando com especial atenção:
- as dotações orçamentais adequadas; a formação e a avaliação (a sério) dos professores, os programas e os manuais de ensino;
- a escolha criteriosa dos titulares da respectiva pasta; uma completa revolução na respectiva máquina ministerial;
- a necessária dignificação dos professores, num conjunto de acções, envolvendo salários compatíveis com a sua relevância na sociedade, colocações, libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras, postas em evidência nas suas reivindicações.
A terminar, saúdo os professores (sem esquecer os educadores) das nossas escolas e reafirmo que os considero os pilares da sociedade e, uma vez mais, dizer a governantes e governados que é necessário e urgente restituir-lhes a atenção, o respeito e a dignidade a que têm jus.