Festival de Roterdão arranca com forte presença portuguesa
Quatro títulos lusitanos a concurso na 52.ª edição, de regresso às salas depois de dois anos passados online, com destaque para a nova longa de Edgar Pêra inspirada em Fernando Pessoa.
Com a estreia de Munch, biografia ensaística do pintor de O Grito pelo dinamarquês Henrik Martin Dahlsbakken, o Festival Internacional de Cinema de Roterdão regressa na noite desta quarta-feira à existência física, depois de dois anos (2021 e 2022) confinados à Internet e de uma profunda reorganização que, sob a directora Vanja Kaludjercic, viu a substituição de muitos dos veteranos da equipa de programação. Para já, a linha fundamental do festival — a atenção a novos cineastas e a cinematografias menos exploradas — parece manter-se intacta, de acordo com a extensa programação que irá ocupar, até ao dia 4 de Fevereiro, 28 salas da cidade dos Países Baixos, dividida por três secções competitivas e um sem-número de paralelas e retrospectivas.
Portugal estará presente com quatro títulos nas competições principais. Na Big Screen, onde Mosquito de João Nuno Pinto teve a sua estreia em 2020, Edgar Pêra apresenta o seu “cinenigma” Não Sou Nada — The Nothingness Club (produção Bando à Parte), exploração onírica dos heterónimos de Fernando Pessoa que é também uma homenagem ao film noir, com Miguel Borges e Victoria Guerra nos papéis principais.
O concurso Bright Future, destinado a primeiras obras, exibe a longa de estreia do actor Alexander David, A Primeira Idade (produção Primeira Idade), fantasia distópica que nasceu de um curso livre de representação que decorreu no Verão na aldeia de Vilamar. E a selecção competitiva de curtas Ammodo Tiger mostra Natureza Humana, de Mónica Lima (Uma Pedra no Sapato, DFFB e Matter Films), sobre as relações românticas e a pandemia, e Pátio do Carrasco, de André Gil Mata (Primeira Idade, Agente a Norte e Rua Escura), quebra-cabeças desconstruído e atmosférico adaptado de Franz Kafka.
Outros títulos portugueses na programação, fora de concurso, serão as curtas de Diogo Baldaia, Why Are You Image Plus?, e Pedro Bastos, Flyby Kathy; Fogo-Fátuo, de João Pedro Rodrigues; e três co-produções que têm feito o circuito de festivais, a longa animada de Alain Ughetto, Interdito a Cães e Italianos, o mais recente filme do catalão Albert Serra, Pacifiction, e When the Waves Are Gone, do filipino Lav Diaz.
Este ano, Roterdão está particularmente atento ao cinema alternativo e documental que se faz na Índia — alvo de um foco paralelo sob o título genérico The Shape of Things to Come? — mas também às novas direcções da produção de língua espanhola e da América Latina, sem deixar de parte nomes novos vindos do Irão e da Ucrânia, inclusive nas selecções a concurso. A presença espanhola é este ano muito forte, com Notas sobre Un Verano, de Diego Llorente, na competição nobre Tiger, mais o documentário A Los Libros y a las Mujeres Canto, de Maria Elorza, e as ficções La Amiga de Mi Amiga, de Zaida Carmona, e La Mala Familia, de Nacho Villar e Luis Rojo, na competição de primeiras obras Bright Future.
Do Irão, estarão a concurso Endless Borders, de Abbas Amini, na Big Screen, e Numb, de Amir Toodehroosta, na Tiger, este último centrado no modo como uma criança de seis anos começa a apreender o mundo à sua volta (mais iraniano é impossível…); noutras secções, exibir-se-ão Ursos não Há, de Jafar Panahi, Beyond the Fences of Lalehzar, de Amen Feizabadi, e Killing a Traitor, de Masoud Kimiai, caso raro de um filme contemporâneo que decorre no Irão dos anos 1950.
Pela programação passarão igualmente alguns dos títulos mais referidos do circuito de festivais recente, a começar por Showing Up, de Kelly Reichardt, Saint Omer, de Alice Diop, The Eternal Daughter, de Joanna Hogg, ou EO, de Jerzy Skolimowski. E de destacar ainda a instalação de Steve McQueen Sunshine State, patente durante toda a duração do festival e acompanhada por um debate público na tarde de sábado (28).