Portugal fez história esta terça-feira com Ice Merchants, de João Gonzalez, o primeiro filme nacional a ser nomeado para um Óscar — o de Melhor Curta de Animação. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anunciou uma lista de candidatos a Melhor Filme que vai de Triângulo da Tristeza, de Ruben Ostlund, ou Tár, de Todd Field, aos dois filmes mais vistos de 2022, as sequelas Avatar: O Caminho da Água e Top Gun: Maverick.

Foi assim, no ano em que os cinemas se voltaram (quase) a encher de gente, que James Cameron ou Tom Cruise souberam que estão convidados para a festa de cinema mais mediática do mundo. Nela estarão com Steven Spielberg a lutar pelo seu terceiro Óscar de Melhor Realizador ou com Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, nomeado em quase todas as categorias e em toda a linha, sendo o filme mais nomeado (11).

As nomeações foram apresentadas pelos actores Allison Williams e Riz Ahmed a partir de Los Angeles, durante as quais a Marvel conseguiu a sua primeira nomeação de actuação, para Angela Bassett por Black Panther: Wakanda para sempre e em que há actores irlandeses em todas as categorias que distinguem a sua profissão — Colin Farrell, Brendan Gleeson, Barry Keoghan e Kerry Condon, todos por Os Espíritos de Inisherin, filme que se estreia a 2 de Fevereiro em Portugal e que é um dos dois segundos mais nomeados, com nove menções. Junta-se aos compatriotas Paul Mescal por Aftersun, e Michelle Yeoh, nomeação também histórica por ser a primeira actriz asiática candidata à estatueta de Melhor Actriz por Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo (o filme estreia-se sexta-feira nos canais TVCine depois de um ano de elogios nos cinemas mundiais).

Por falar em tempo, há quantos anos se questiona a centralidade dos Óscares na cultura mundial? A nomeação de uma curta-metragem de animação portuguesa feita em co-produção com França e Reino Unido e assinada por um jovem realizador numa das áreas mais vibrantes do cinema nacional comprova que ainda há história para contar. “Que felicidade”, dizia ao PÚBLICO João Gonzalez, de 26 anos, minutos depois de saber da nomeação que quase parece saber a vitória no sector.

Com o cinema português de autor vastamente afirmado no circuito dos maiores festivais do mundo, foi a animação que bateu à porta e conseguiu entrar no átrio dos Óscares. “Fez-se história. E começou por uma animação. Isso é a prova viva de que a animação tem de ser vista como cinema e não como uma técnica de cinema”, dizia Regina Machado, presidente da Casa da Animação, de lágrimas nos olhos à Lusa na tarde desta terça-feira.

E há quantos anos se pondera se o streaming vai tomar conta de Hollywood? E há quanto tempo esperavam muitos espectadores para voltar às salas? Em 2022, a Netflix era pelo segundo ano consecutivo o estúdio mais nomeado. Este ano, que celebra o 2022 do regresso gradual às salas de cinema (em Portugal, com lotações que foram 60% do pré-pandemia), a plataforma de streaming ficou para trás. Mesmo assim acumulou 16 nomeações e tem um dos dois segundos filmes mais nomeados, o épico alemão da I Guerra Mundial A oeste nada de novo, com nove candidaturas a Óscar.

Mas são os blockbusters e os estúdios “clássicos” quem mais ordena, com a Disney à cabeça por causa das sequelas de Avatar e Black Panther, mas também por Os Espíritos de Inisherin ou, na animação Turning Red, da Pixar, no documentário Vulcão, Uma História de Amor, da National Geographic. No fundo, muito pelas chancelas e estúdios que aglomera sob a sua marca, que acumula o maior número de nomeações com 22 possibilidades de Óscar.

Na mesma linha, Maverick e O Caminho da Água juntam-se à curta lista de sequelas nomeadas para Melhor Filme (oito), ao lado de incontestáveis como O Padrinho — Parte II ou sucessos como O Senhor dos Anéis: As duas Torres ou O Regresso do Rei. Só o facto de conviverem no mesmo ano já inscreve a palavra “históricos” mais uma vez nos Óscares de 2023. Isto, num ano que se perfila como um dos mais abrangentes, em termos de públicos, dos últimos tempos, perante a quebra dramática das audiências televisivas da cerimónia e da ainda difícil situação do sector de exibição.

Também há anos de hashtag e estes já estão marcados por serem #OscarsSoMale, como titula a revista especializada Variety a propósito de não haver mulheres entre os nomeados a Melhor Realização — depois de dois anos consecutivos em que Jane Campion e Chloe Zhao receberam o prémio. Este ano lá estará o sempiterno Steven Spielberg pelo autobiográfico Os Fabelmans, Todd Field por Tár, Ruben Östlund por Triângulo da Tristeza, Daniel Kwan e Daniel Scheinert por Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo e Martin McDonagh com Os Espíritos de Inisherin. A lista de nomes e títulos coincide integralmente com a de Melhor Argumento Original. Entre os nomeados para Melhor Argumento Adaptado está o romancista Kazuo Ishiguro (Viver), vencedor do Nobel em 2017, ou o realizador Rian Johnson (Glass Onion).

Os 95.ºs Óscares são entregues na madrugada de 13 de Março (hora portuguesa) numa cerimónia apresentada por Jimmy Kimmel. Nas filas da frente estarão Bill Nighy (Viver), Austin Butler (Elvis), Cate Blanchett (Tár), Ana De Armas pelo pouco unânime Blonde, Michelle Williams (Os Fabelmans) e Andrea Riseborough (To Leslie, uma surpresa) com os restantes nomeados para Melhor Actor e Actriz. Foi dessas filas que saltou o grande tema dos Óscares de 2022, essa cerimónia que todos os anos parece ter de provar a sua relevância. Quem ganhou? Nem Will Smith nem Chris Rock, mas é deles que o público se lembra. (O Melhor Filme foi CODA, da Apple e do streaming.) João Gonzalez e a equipa de Ice Merchants não se esquecerão dos Óscares de 2023.

Nomeações nas principais categorias

Melhor Filme

• A oeste nada de novo
• A Voz das Mulheres (estreia-se em Portugal a 9 de Março)
• Avatar: O Caminho da Água
• Os Espíritos de Inisherin
• Elvis
• Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo
• Os Fabelmans
• Tár (estreia-se em Portugal a 9 de Fevereiro)
• Top Gun: Maverick
• Triângulo da Tristeza

Melhor Realização

• Steven Spielberg, Os Fabelmans
• Todd Field, Tár
• Ruben Östlund, Triângulo da Tristeza
• Daniel Kwan e Daniel Scheinert, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo
• Martin McDonagh, Os Espíritos de Inisherin

Melhor Actor

• Austin Butler, Elvis
• Colin Farrell, Os Espíritos de Inisherin
• Brendan Fraser, A Baleia
• Bill Nighy, Viver (estreia-se em Portugal a 30 de Março)
• Paul Mescal, Aftersun (estreia-se em Portugal esta quinta-feira)

Melhor Actriz

• Cate Blanchett, Tár
• Ana De Armas, Blonde
• Michelle Yeoh, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo
• Michelle Williams, Os Fabelmans
• Andrea Riseborough, To Leslie

Melhor Actor Secundário

• Brendan Gleeson, Os Espíritos de Inisherin
• Barry Keoghan, Os Espíritos de Inisherin
• Ke Huy Quan, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo
• Judd Hirsch, Os Fabelmans
• Brian Tyree Henry, Causeway

Melhor Actriz Secundária

• Angela Bassett, Black Panther: Wakanda para sempre
• Hong Chau, A Baleia
• Kerry Condon, Os Espíritos de Inisherin
• Jamie Lee Curtis, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo
• Stephanie Hsu, Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo

Melhor Documentário

• All That Breathes, de Shaunak Sen
• Vulcão: Uma História de Amor, de Sara Dosa
• Navalny, de Daniel Roher
• All the Beauty and the Bloodshed, de Laura Poitras
• A House Made of Splinters, de Simon Lereng Wilmont

Melhor Filme Internacional

• A oeste nada de novo (Alemanha)
• Argentina, 1985, de Santiago Mitre (Argentina)
• Close, de Lukas Dhont (Bélgica, distribuído em Portugal pela Leopardo Filmes, ainda sem data de estreia fixada)
• The Quiet Girl, de Colm Bairéad (Irlanda)
• EO, de Jerzy Skolimowski (Polónia, estreia-se em Portugal a 16 de Fevereiro)

Melhor Filme de Animação

• Pinóquio de Guillermo Del Toro
• Marcel the Shell with Shoes On
• O Gato das Botas: O Último Desejo
• Turning Red (Disney+)
• The Sea Beast (Netflix)

Melhor Argumento Original

• Os Espíritos de Inisherin
• Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo
• Tár
• Os Fabelmans
• Triângulo da Tristeza

Melhor Argumento Adaptado

• Glass Onion: Um Mistério Knives Out
• A Voz das Mulheres
• A oeste nada de novo
• Viver
• Top Gun: Maverick