Leopard 2 para a Ucrânia exasperam aliados e dividem a Alemanha

Polónia ameaça enviar carros de combate de fabrico alemão sem autorização de Berlim.

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Os carros de combate Leopard têm uma boa reputação, mas nunca foram usados numa guerra como a da Ucrânia RADOVAN STOKLASA/Reuters

O primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, declarou que a aprovação de Berlim para o envio de carros de combate Leopard 2, de fabrico alemão, para a Ucrânia, “é secundária”. “Ou obtemos acordo [para o envio] rapidamente, ou faremos nós mesmos o que é correcto”, declarou Morawiecki na quarta-feira à noite à agência de notícias polaca PAP, quando regressava do fórum de Davos.

O Governo alemão já declarara, antes, que um envio sem autorização alemã seria “ilegal”, já que é formalmente necessária a luz verde do país fabricante para a reexportação.

A afirmação polaca mostra uma exasperação com a posição que muitos aliados vêem como demasiado hesitante da Alemanha, na véspera da reunião de Ramstein, que decorre esta sexta-feira. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, criticou os alemães sem os nomear: “'Sou poderoso na Europa, ajudo se alguém fora da Europa também ajudar’. Parece-me que não é uma estratégia muito acertada”, cita a Reuters.

Neste encontro deverá clarificar-se se a Alemanha consegue que os EUA enviem carros de combate Abrams para poderem invocar uma aliança alargada (os EUA dizem que não consideram enviá-los, já que gastam demasiado, exigem treino longo e peças para reparar avarias); se os EUA conseguem pressionar a Alemanha a autorizar o envio dos Leopard apenas com uma aliança europeia e do Reino Unido; ou se haverá um envio simbólico de Abrams para abrir caminho à entrega de Leopard por países europeus com o beneplácito da Alemanha.

A possibilidade de obter os Leopard 2 é especialmente importante para a Ucrânia porque existem cerca de 2000 destes carros de combate em vários países europeus, segundo uma estimativa do European Council on Foreign Relations. As Forças Armadas ucranianas conseguiriam usá-los após uma formação curta, e não teriam de treinar o uso de vários tipos de tanques.

O problema da pressão é maior fora do país, mas dentro da Alemanha há quem não consiga compreender a hesitação. Como a analista Ulrike Franke, do European Council on Foreign Relations, com sede em Berlim, que é muito crítica da posição do chanceler, Olaf Scholz. Não interessa “o que quer que queiram fazer outros países europeus (Polónia, Finlândia), ou o que quer que estejam a fazer outros (Reino Unido), o único actor relevante para [Scholz] são os Estados Unidos”, critica.

De um ponto de vista militar, “se os EUA usassem Leopard, ou algo semelhante, esta posição poderia fazer um pouco mais de sentido”, sublinha Franke, respondendo à pergunta se “a autonomia estratégica europeia acabou?” na rubrica Judy Asks, de Judy Dempsey, no Carnegie Europe. Mas os carros de combate Abrams são muito diferentes, o que implica um tipo de treino diferente e uma logística diferente.

Há, no entanto, quem aponte que a questão não é apenas, nem sobretudo, militar. Minna Alander, analista do Finnish Institute of International Affairs (FIIA), tenta explicar a “frustração cada vez maior com a posição do chanceler alemão sobre o envio de carros de combate também na Alemanha”. Para muitos alemães "uma consideração cuidada de riscos é a abordagem certa”.

O que está por trás da dificuldade em agir é que “a Alemanha quer evitar ser responsável por uma nova guerra mundial”, escreveu a analista no Twitter. “Se a Rússia provocar uma escalada numa retaliação, [Scholz] pode dizer: ‘Não foi por minha causa, os americanos também fizeram o mesmo (ou, de preferência, primeiro)'.”

Mesmo que esta lógica – acrescenta Alander – seja falaciosa: “A inacção e o apaziguamento podem levar ao mesmo resultado”. Mas a posição única da Alemanha, que foi anteriormente a potência agressora, “torna estes obstáculos mentais mais altos”.

Na opinião pública, as sondagens mostram uma divisão, com uma ligeira maioria contra o envio de carros de combate Leopard 2 (43%) e uma minoria a favor (39%), segundo uma sondagem YouGov (16% não se pronunciam), ou 46% contra e 42% a favor (12% indecisos), noutra da ZDF.

O historiador historiador militar alemão Ralf Raths tentou diminuir um pouco o entusiasmo com as qualidades dos Leopard 2, em declarações à televisão pública ARD. A sua "boa reputação é merecida – tem uma boa combinação de poder de fogo, mobilidade e protecção de blindagem", disse. Mas salientou ainda que é um carro de combate feito para a Guerra Fria, e não para a guerra na Ucrânia – e nunca foi usado numa guerra assim (ao contrário do Abrams). Se forem enviados para a Ucrânia, muitos deles serão destruídos, avisou, "um problema psicológico para que penso que não estamos preparados". Raths acha que não "houve ainda sensibilização suficiente" para o facto de que a disponibilização dos Leopard 2 à Ucrânia “não será um game changer” na guerra.

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