Quem é Joaquim Morão, o ex-autarca por trás da investigação que envolve Medina?
Conhecido durante décadas como “o autarca modelo” do país e com elogios de antigos presidentes da República, Joaquim Morão é investigado num caso de corrupção que envolve Fernando Medina.
“Eu não sou um burocrata, sou um homem de acção.” Era assim que Joaquim Morão, alvo de investigação por alegada corrupção, se descrevia em 2018 e continua a ser assim que muitos socialistas o continuam a descrever. Distinguido com a Ordem de Mérito pelo então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, o histórico socialista foi autarca durante 38 anos e descrito, durante décadas, como um “autarca modelo” a nível nacional.
A sua popularidade foi até timbrada num livro sobre os seus “30 anos de serviço à causa pública”, que conta com textos dos ex-presidentes da República Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, do ex-ministro da Educação Eduardo Marçal Grilo e de Torres Campos, o antigo comissário da Expo98.
Em 2014, o socialista Jorge Coelho considerava Joaquim Morão o "melhor presidente de câmara que o país teve em 40 anos". Primeiro em Idanha-a-Nova entre 1982 e 1998 e depois em Castelo Branco até 2013 (por limite de mandatos), Morão continua a ser, até hoje, agraciado na região, onde "é reconhecido em todo o lado". Por Idanha-a-Nova ser um concelho com uma grande área geográfica e receber bons orçamentos, Morão teve o trabalho facilitado, mas nem por isso lhe foi retirado mérito.
Depois de deixar a liderança da autarquia de Castelo Branco, passou a secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB), com sede em Castelo Branco. Militante de base do PS e com muitas ligações a José Sócrates, Morão foi presidente da federação distrital socialista de Castelo Branco (tal como Sócrates) e vice-presidente da Associação Nacional de Municípios.
Agora, o histórico socialista e ex-autarca de Castelo Branco e de Idanha-a-Nova é um dos suspeitos de corrupção que está na base das buscas que esta terça-feira foram realizadas à Câmara Municipal de Lisboa (CML), no âmbito de um inquérito que envolve Fernando Medina, o actual ministro das Finanças, que na altura dos factos em investigação era presidente da autarquia, e o seu então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado.
Como o PÚBLICO noticiou à data, a autarquia de Lisboa ignorou duas normas legais que a impediam de contratar Joaquim Morão, por não ter obtido a indispensável autorização do Governo, pelo facto de o interessado estar aposentado; e por ter passado por cima das regras que impediam a sua contratação por ocupar o lugar de primeiro-secretário executivo da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB) - cargo esse que era desempenhado, por imperativo legal, em regime de exclusividade e que era incompatível com as pensões que Morão recebia - e que depois de notícia do PÚBLICO se viu obrigado a renunciar.
Apesar da polémica sobre o alegado caso de corrupção, continua ligado a causas sociais, sendo há mais de 30 anos provedor da Santa Casa da Misericórdia de Idanha-a-Nova, vogal da direcção da União das Misericórdias portuguesas e o presidente da Caixa de Crédito Agrícola da Beira Baixa, com sede em Idanha-a-Nova.
Foi ainda um dos principais dirigentes e fundadores de uma associação de desenvolvimento local da Beira Baixa, a Adraces - Associação para o Desenvolvimento da Raia Centro-Sul. Ao lado de Morão nesta associação estava António Realinho, director executivo da Adraces até ser condenado a quatro anos e meio de prisão pela prática, enquanto sócio da empresa Realcil, dos crimes de burla e falsificação, e que também está a ser alvo da investigação que decorre na câmara de Lisboa. Condenado em 2018, Realinho saiu ao abrigo das medidas de perdão de penas e de libertação previsto no regime de libertação de presos como medida de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da covid-19.
Pelo meio, também a sua esposa, Conceição Morão, esteve envolvida numa polémica depois de em 2014 ter recebido do município de Idanha-a-Nova 16 hectares em 2014, com uma renda particularmente atractiva, para lá plantar um pomar de 19 mil figueiras-da Índia, no âmbito de um programa destinado a jovens agricultores. Apesar de ter recebido pelo menos 63 mil euros, em vez da prometida plantação prevista na candidatura aprovada pelo Programa de Desenvolvimento Regional (PDR), o local não tinha em 2021 mais do que uns cactos e vegetação espontânea.