Iraniano que decapitou a sua mulher adolescente condenado a oito anos de prisão
O assassínio de uma iraniana é menos grave se o assassino for familiar, reflexo de uma cultura onde as mulheres são cidadãos de segunda. No Irão, a revolta começou há quatro meses.
O mesmo regime que acaba de executar dois jovens por acusações de “corrupção na terra” (e de sentenciar vários à morte por “participação em encontros ilegais” e “destruição de propriedade pública”) condenou a oito anos de prisão um homem que decapitou a sua mulher, de 17 anos, e se passeou pela rua com a cabeça na mão. Os chamados “crimes de honra” são comuns no Irão, mas o assassínio de Mona Heydari, há um ano, chocou particularmente os iranianos e levou até o Governo a aprovar a primeira versão de uma lei que criminalizaria várias formas de violência contra as mulheres – uma proposta que a ONU considerou insuficiente e que não chegou a ser votada no Parlamento.
Sajjad Heydari casou com Mona quando ela tinha 12 anos, dois anos antes do nascimento do filho de ambos. De acordo com o site da emissora Iran International, a adolescente tinha fugido da violência do marido para a Turquia, isto depois de ele lhe recusar o divórcio. O pai de Mona, que é também tio de Sajjad, ajudou-o a conseguir que ela regressasse, garantindo-lhe que estaria segura. Voltou no fim de Janeiro e foi morta a 1 de Fevereiro, na sua cidade, Ahvaz.
A lei iraniana pune o homicídio qualificado com a pena de morte, mas a família da vítima pode perdoar o assassino; neste caso, esse perdão valeu a Sajjad uma pena de sete anos e meio (mais oito meses por agressão). O irmão, seu cúmplice, foi condenado a 45 meses de prisão. Ao mesmo tempo, a sharia (lei islâmica, cuja interpretação depende de cada escola do islão) dita que só a família imediata da vítima pode pedir a execução do assassino. O resultado é que a maioria dos “crimes de honra” ficam por punir e raros são os que chegam a tribunal.
Se Sajjad não tivesse sido filmado a andar na rua com a cabeça de Mona na mão é possível que nunca tivesse sido acusado. Já nos casos em que se determina que um marido encontrou a mulher a ter relações sexuais com outro homem, a lei permite-lhe assassinar os dois – não a sharia, a lei, o artigo 630 do Código Penal Iraniano.
Um estudo publicado em Outubro de 2020 pela revista médica Lancet refere “8000 ‘assassínios por honra’ denunciados entre 2010 e 2014” no Irão. Muitos não são cometidos pelo marido da vítima, mas pelos pais ou irmãos. A pena de morte está à partida excluída para pais e avós maternos, já que o artigo 301 do Código Penal estipula que estes “não podem sofrer justiça retributiva pelo assassínio da criança”. Mesmo sem estes artigos, as penas acabam por reflectir uma justiça que considera os “crimes de honra” menos graves do que os assassínios que não são cometidos por familiares.
Em 2020, Romina Ashrafi, de 14 anos, foi assassinada pelo pai depois de fugir de casa e de ter sido levada de volta pela polícia – antes, avisara a polícia e as autoridades judiciais que corria risco de vida se regressasse. Romina fugira com o namorado quando as famílias recusaram a relação. O pai foi condenado a nove anos de prisão por assassínio premeditado (com possibilidade de sair em liberdade condicional), apesar de a sua mulher defender que recebesse uma pena mais pesada.
O regime islâmico do Irão é um dos piores do mundo para as liberdades e direitos das mulheres. A sua liderança enfrenta desde Setembro um movimento de contestação inédito, uma revolta iniciada precisamente pelo assassínio de uma jovem, Jina Mahsa Amini, que morreu sob custódia da “polícia da moralidade”, a 16 de Setembro de 2022, depois de ser detida por uso incorrecto do hijab (o lenço islâmico que cobre o cabelo e que as iranianas são obrigadas a usar em público).
Os protestos desencadeados pela morte de Amini, começaram por ser liderados por mulheres, mas espalharam-se a todos os géneros, idades, etnias, fés ou percursos, a todas as regiões do país e a iranianos de todas as idades, e são já considerados o maior desafio à República Islâmica desde a sua fundação, em 1979. O hijab é o símbolo dos direitos e liberdades que o regime nega às mulheres: tratadas como cidadãos de segunda em todas as áreas da vida, são consideradas testemunhas menos credíveis em tribunal, herdam metade do que os homens e estão impedidas de tomar decisões sobre divórcio, poder paternal ou trabalho, tal como de assistir a um jogo de futebol, cantar ou dançar em público.