Até quando vamos continuar a fechar os olhos ao envelhecimento?

Como é que uma pessoa que tenha a seu cargo menores, que tenha uma actividade profissional, consegue cuidar de alguém que esteja dependente?

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Eduardo Barrios/Unsplash

Como sabemos, actualmente vivemos uma situação demográfica complexa. A diminuição da natalidade e o aumento da esperança faz com que Portugal ocupe um lugar no pódio dos países mais envelhecidos da Europa.

O envelhecimento é ainda um tema envolto em inúmeras questões. Algumas pessoas preferem optar pela quase omissão desta fase do ciclo de vida, seja por medo de chegar a essa fase, medo da perda de independência, por significar a vivência de outras perdas e de lutos ao longo da trajectória de vida, porque aumentam os encargos, porque muitas vezes é preciso encontrar soluções para que se possa assegurar cuidados, porque erroneamente se associa o aparecimento de uma demência como envelhecimento normal, porque o próprio preconceito da sociedade não abona a favor das pessoas mais velhas — por vezes consideradas “chatas”, “lentas” e “rezingonas”, sem qualquer fundamento.

As pessoas mais velhas precisam sim, tal como outra pessoa numa outra faixa etária de carinho, de compreensão, de amor, de respeito, o que no caso dos mais velhos, muitas vezes, não lhes são assegurados.

Para além de muitos problemas que esta questão possa levantar, há uma em especial que me preocupa, não apenas enquanto psicóloga, mas também a nível pessoal: todos os dias converso com cuidadores familiares que me questionam acerca de vagas para um familiar que se encontre numa situação de dependência, seja esta decorrente de algum problema de saúde seja apenas fruto da idade avançada.

A verdade é que todos os dias me chegam pedidos desesperados de pessoas que não sabem onde institucionalizar os familiares porque não existem vagas em grande parte das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas e, muitas vezes, as vagas que existem são incomportáveis em termos financeiros. Questiono-me: como é que uma pessoa que tenha a seu cargo menores, que tenha uma actividade profissional, consegue, efectivamente, cuidar de alguém que esteja dependente e que necessite de uma prestação de cuidados a tempo inteiro?

E este nem sequer é só um problema de pessoas com recursos monetários mais escassos, é algo transversal às diferentes classes económicas, que, nos tempos que correm, torna-se ainda um desafio maior. Os considerados lares privados estão lotados, os lares comparticipados pela Segurança Social lotados estão. Existem também os centros de dia, mas em muitos casos, como não asseguram o cuidado nocturno e o grau de dependência muito elevado, não se constituem como uma resposta social viável. Os serviços de apoio domiciliário ou estão lotados, ou prestam serviços pontuais de higiene e alimentação, raramente com algum tipo de actividade social, lúdica ou cognitiva.

Em acréscimo, tendo como principal factor de risco para o desenvolvimento de uma demência a idade, existe, então, outro problema em crescimento exponencial: uma vez que se aumenta a idade, aumenta também a probabilidade de desenvolvimento de uma perturbação neurodegenerativa (sem contar com todas as outras situações de saúde que deste factor decorrem).

Em números, estamos a falar em cerca de 200 mil pessoas com algum tipo de demência (sendo a mais prevalente a Doença de Alzheimer, mas também a Demência Vascular, a Demência Mista e outros tipos de demência menos prevalentes que comportam os mesmos desafios). Tudo isto envolve desafios e riscos a nível social, económico e com grande impacto psicológico — sobrecarga, perdas e lutos, sintomatologia ansiosa e depressiva dos cuidadores e da pessoa mais velha, quer viva com ou sem demência.

A tendência não é a diminuição da prevalência de demências, nem o rejuvenescimento da população e, por isso, questiono: até quando iremos continuar com falta de respostas humanizadas, com falta de vagas em respostas sociais, com falta de profissionais e a ignorar este problema?

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