Eles querem acabar com o financiamento de sites de notícias falsas no Brasil, um anúncio de cada vez

Leonardo e Mayara já impediram que 11 milhões de euros fossem parar a sites de fake news e extrema-direita brasileiros. Sleeping Giants é o nome do movimento que quer desmonetizar a Jovem Pan.

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Mayara Stelle e Leonardo Leal DR

Não foi ideia de Leonardo Leal e Mayara Stelle criar o Sleeping Giants, mas foi o casal que conseguiu fazer com que 30 empresas retirassem os anúncios publicitários da Jovem Pan, uma emissora de rádio e televisão brasileira que está a ser investigada pelo Ministério Público por difundir notícias falsas e incitar a actos golpistas — como o que aconteceu no país no início do mês, quando apoiantes de Jair Bolsonaro invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal, em Brasília.

Foi em 2020 que Leonardo, na altura com 22 anos, se cruzou com o Sleeping Giants, uma página no Twitter criada pelo norte-americano Matt Rivitz, que conseguiu fazer o site de extrema-direita americano Breitbart News (que foi já dirigido por Steve Bannon, antigo assessor de Donald Trump) perder mais de oito milhões de euros. Como? Informando as empresas anunciantes da página que tinham publicidade em sites de extrema-direita.

Inspirados pela acção de Rivitz, Leonardo e Mayara criaram, nesse mesmo ano, uma plataforma homónima mas com foco no Brasil: a @slpng_giants_pt, que actualmente conta com cerca de 274 mil seguidores. Segundo o site do movimento, já foram executadas 47 campanhas e 1054 empresas foram “consciencializadas” de que tinham os seus produtos em páginas de notícias falsas ou de extrema-direita. No total, terão sido mais de 62 milhões de reais (cerca de 11 milhões de euros) que deixaram de entrar nessas páginas. E estenderam a equipa a mais uma pessoa: Humberto Ribeiro, que é director jurídico do Sleeping Giants.

A primeira campanha do casal, que vive no interior do Panamá, foi o site Jornal da Cidade Online. Conseguiram fazer com que fossem retirados anúncios de 150 empresas, e esta acção valeu-lhes um processo, onde foi pedida a revelação dos seus IP e emails. Na iminência de verem a sua identidade revelada, preferiram fazê-lo através de uma entrevista à Folha de S. Paulo. Segundo Leonardo, a sua família recebeu chamadas de Oswaldo Eustáquio, que tem um blogue bolsonarista, e preferiram passar algum tempo fora do estado onde vivem.

Jovem Pan: David contra Golias

São eles que estão, actualmente, a liderar uma campanha para desmonetizar a Jovem Pan. Aquela que, diz Leonardo citado pelo Tab Uol, é a “maior e mais importante” acção desde que começaram. Estava a ser pensada desde que o movimento surgiu, mas que não foi desde logo posta em andamento por considerarem que não tinham conhecimento suficiente para a levar a cabo. “Sempre foi David contra Golias”, refere Leonardo.

Foi a 21 de Dezembro de 2022 que começaram a campanha contra a emissora. Desde então, já conseguiram que 30 empresas retirassem os seus anúncios, congratularam-se nesta segunda-feira no Instagram. Trivago, Nissan, Toyota e Risqué são algumas das marcas que já retiraram a publicidade; outras, como a Huawei, Yamaha, Jeep ou Boticário estão a ser pressionadas pela Sleeping Giants, que recorrentemente publica nas redes sociais, identifica as marcas e as questiona publicamente sobre o seu posicionamento. Ao Tab Uol, Leonardo explicou que, muitas vezes, as empresas nem sabem aonde vão parar os seus banners publicitários.

Este é um momento particularmente atribulado para a Jovem Pan: além de estar a ser investigada, muitos funcionários estão a ser demitidos, numa tentativa de renovar o quadro. O Ministério Público Federal vai investigar a veiculação de notícias falsas, o incentivo a ataques antidemocráticos e comentários abusivos. "O foco da investigação será a veiculação de notícias falsas e comentários abusivos pela emissora, sobretudo contra os poderes constituídos e a organização dos processos democráticos do país", lê-se no site do Ministério Público.

No mesmo site, lê-se ainda que foi feito um levantamento ao longo dos últimos meses e detectado que "a Jovem Pan tem veiculado sistematicamente fake news e discursos que atentam contra a ordem institucional, num período que coincide com a escalada de movimentos golpistas e violentos em todo o país". O Ministério Público afirma ainda que, "na cobertura dos actos de vandalismo ocorridos em Brasília, por exemplo, comentadores da Jovem Pan minimizaram o teor de ruptura institucional dos actos e tentaram justificar as motivações dos criminosos que invadiram e depredaram as sedes dos três poderes".

Por exemplo, segundo a Folha, o jornalista Tiago Pavinatto fez expressões faciais de dúvida e surpresa, mastigou uma caneta, rasgou uma folha e levou dois dedos à boca enquanto o presidente do Tribunal Superior Eleitoral discursava aquando da tomada de posse de Lula da Silva. Tiago Pavinatto foi afastado do programa que apresentava, assim como outros jornalistas assumidamente bolsonaristas.

Em entrevista à Folha, Leonardo e Mayara, antigo motorista da Uber e ex-vendedora de maquilhagem, explicaram que “o alcance” de um site é um dos primeiros critérios a ter em conta para a acção de desmonetização. “O Sleeping Giants não promove a cultura do cancelamento, não promove a censura. Estamos aqui para alertar a empresa. A decisão de manter um anúncio ou de o retirar, e de banir um utilizador por violação dos termos de uso ou não banir, pertence à empresa. Nós só avisamos.”

Até hoje, ainda não fizeram nenhuma campanha de desmonetização de um site de esquerda, mas garantem estar prontos para “continuar a combater as fake news independentemente de onde vêm”. “O Sleeping vai sempre seguir o dinheiro, no sentido de ir atrás de quem está a ganhar com as notícias falsas.”

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