Ministra da Agricultura garante que só soube de contas arrestadas de Carla Alves depois da posse
Maria do Céu Antunes garante que Carla Alves tinha provas dadas depois de ser directora regional de Agricultura durante quatro anos.
A ministra da Agricultura e da Alimentação só teve conhecimento de que a sua ex-secretária de Estado Carla Alves tinha contas arrestadas “já depois da tomada de posse e através da comunicação social”. A garantia foi dada por Maria do Céu Antunes nesta quarta-feira na Comissão de Agricultura e Pescas, onde foi ouvida na sequência de pedidos do Chega, da IL, do PSD e do PAN, para esclarecer o caso da governante que durou apenas um dia no cargo. A ministra também afirmou que perguntou a Carla Alves, quando a convidou, se tinha algum processo.
“Depois da tomada de posse, nessa noite, fomos confrontados por um órgão de comunicação social que falava sobre o marido, sobre contas arrestadas do marido e nós perguntámos [à secretária de Estado]. O que nos foi dito é que era um processo do marido”, descreveu a ministra. “Soubemos então da conta conjunta, onde o casal depositava os seus vencimentos, e que essa conta tinha tudo declarado [nas Finanças]. Foi com base nessa informação que passámos ao órgão de comunicação social [a resposta].”
Quando no dia seguinte o Correio da Manhã noticiou que Carla Alves tem contas bancárias conjuntas com o marido que foram arrestadas e onde entraram quantias avultadas de dinheiro para as quais não há justificação, o gabinete de Maria do Céu Antunes ficou “surpreendido”.
Conta ainda a ministra: “Imediatamente me dirigi à secretária de Estado, assim como elementos do meu gabinete e do gabinete do primeiro-ministro (porque tive de me ausentar para a reunião do Conselho de Ministros) estiveram com a própria. Chegámos à conclusão de que há um processo do marido que diz respeito às suas funções de autarca, onde é acusado. Mas quem teve acesso a toda a informação, o Ministério Público, não acusou Carla Alves. E mais: a conta que lhe foi arrestada era uma conta conjunta e foi essa a informação que nos foi prestada.”
Maria do Céu Antunes insiste: “Em momento nenhum, ela foi arguida nem acusada.” E foi com base na informação dada por Carla Alves que o primeiro-ministro fez a sua defesa pública no debate da moção de censura.
Questionada sobre se sabia ou não da existência das contas arrestadas ao marido da ex-secretária de Estado, como o PÚBLICO noticiou, a ministra garantiu que chegou a perguntar a Carla Alves “se tinha algum processo” e que esta lhe “deu conta de que não tinha nenhum processo, mas que o marido tinha um processo do seu tempo de autarca, no entanto não tinha implicações com ela própria”. “Entendi que, pelo que sabia, [Carla Alves] tinha as condições para assumir o lugar e foi assim que a propus para as funções de secretária de Estado. Para mim, isto é bastante claro.”
Mas não respondeu à provocação insistente do deputado do Chega sobre se tenciona processar o PÚBLICO pela notícia, embora tenha afirmado que a notícia foi “desmentida” — embora na verdade fosse apenas um esclarecimento de que não sabia de processos judiciais contra Carla Alves, algo ao lado do teor da notícia que versava o seu conhecimento sobre a existência de contas arrestadas e de processos contra o marido, ex-autarca de Vinhais.
“Não tinha qualquer conhecimento de qualquer processo judicial que envolvesse Carla Alves à data do convite”, vincou por várias vezes durante as quase duas horas de audição. “Escolhi alguém que tecnicamente me pudesse ajudar a dar continuidade às políticas e, claramente, o currículo, o conhecimento de Carla Alves davam essa garantia. E dentro do ministério, nas confederações, entre os outros partidos, os agricultores, todos eram favoráveis a esta pessoa”, acrescentou. “Ainda não ouvi nenhuma opinião contrária do que dizem.”
“Nada indicava que não tinha condições”
A ministra procurou enaltecer o percurso profissional da já exonerada secretária de Estado para justificar a sua escolha, “olhando para a vida de Carla Alves desde 2018”. Lembrou que assumiu o cargo de directora de Agricultura e Pesca do Norte há quatro anos, depois de passar pela CReSAP e que “entregou declaração de rendimento no Tribunal Constitucional”; “até 2022, mostrou grande competência nas matérias da agricultura e geriu a execução de fundos comunitários”.
E argumentou com o “consenso” no sector sobre o seu desempenho entre autarcas de todas as forças políticas, confederações e agricultores, exemplificando com o desempenho de funções no Parque Biológico de Vinhais ou em entidades de promoção do porco bísaro e das raças autóctones.
“Nada indicava que não tinha condições” para assumir as funções no Governo, sublinhou a ministra. “Não tinha conhecimento do arresto das contas nem das outras situações que foram publicitadas a seguir.”
O deputado social-democrata João Moura procurou desfazer a imagem de que os processos contra o marido de Carla Alves e as polémicas envolvendo a própria eram questões desconhecidas. A dada altura, perante os comentários acesos de deputados socialistas, os deputados da oposição criticaram até a deputada e ex-secretária de Estado Berta Nunes, presidente da federação distrital do PS de Bragança, por não ter avisado a ministra sobre Carla Alves antes da tomada de posse.
João Moura foi desfiando os casos conhecidos e notou que “uma simples pesquisa no Google” teria feito soar os alertas entre os assessores da ministra, mencionando o caso de pagamentos indevidos da Câmara de Vinhais liderada pelo marido de Carla Alves à própria, enquanto técnica do município, por formação que não leccionou (caso que a DGAL investigou, tendo depois aberto um processo à autarquia); o processo em que a família tentou “usurpar” uma quinta e em que o tribunal disse ter actuado “com má-fé”; o processo de penhora a uma conta no Crédito Agrícola por terem aparecido 700 mil euros injustificados; ou ainda os processos por “património incongruente no valor de três milhões de euros, que o Ministério Público quer que sejam perdidos a favor do Estado”.
Tanto o PS como a ministra tentaram passar a mensagem de que se trata de uma “situação ultrapassada” com a demissão de Carla Alves, mas os partidos da oposição (apenas a direita, porque não havia deputados da esquerda na sala) insistiram na necessidade de as nomeações para o Governo exigirem um escrutínio prévio apertado, sobretudo agora que existe um questionário.
Maria do Céu Antunes defendeu que o questionário serve para os convidados avaliarem das suas condições para assumirem cargos públicos e vincou que fez essa avaliação sobre si própria desde a primeira vez que assumiu funções públicas e em todas as situações em que foi candidata e convidada para um cargo.