Porque é que o arroz carolino já custa quase o dobro?

O arroz carolino é o produto que regista a subida mais acentuada no preço ao longo do último ano, entre uma lista de 63 bens alimentares reunidos pela Deco Proteste.

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Arroz carolino está a custar, em média, mais de dois euros nos supermercados Adriano Miranda

Se está entre os portugueses que não dispensam o arroz carolino no prato, certamente já reparou no disparar do preço deste alimento. Há um ano, o preço de uma embalagem de arroz carolino rondava pouco mais de um euro, agora, o mesmo produto custa o dobro. Um aumento que é explicado por uma “tempestade perfeita” de factores: anos secos e um conflito armado com consequências na economia mundial.

A subida do arroz carolino fez-se notar, sobretudo, a partir da última semana de Novembro de 2022. “Foi quando a nova colheita e os novos preços de compra começaram a chegar ao mercado”, explica, ao PÚBLICO, Pedro Monteiro, director-geral da Associação Nacional dos Industriais de Arroz (ANIA).

Mas “a inflação no arroz carolino não começou agora”, diz Filipe Veríssimo, agricultor e membro da Associação dos Agricultores do Vale do Mondego, para quem a inflação neste produto não é mais do mesmo — ou, se quisermos, outra vez arroz. “Para nós, produtores, começa na altura da compra da sua semente, que aumentou bastante”, conta.

As sementes de arroz, à venda nas cooperativas agrícolas, são importadas maioritariamente a partir dos dois maiores produtores na União Europeia (UE): Espanha e Itália. Ambos os países sofreram anos de seca que conduziram a uma menor produção de sementes.

E Portugal não foi excepção. No Mondego, houve “uma quebra até 20%” na produção de arroz, pelos cálculos de Filipe Veríssimo.

“Portugal semeou 27 mil hectares, o que representa um decréscimo de dois mil hectares em relação ao período homólogo de 2021. Em Espanha, houve uma redução de 50% da área cultivada e em Itália o decréscimo foi ainda mais acentuado”, compara Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

Fertilizantes, gasóleo e gás

Mas, para quem produz, o aumento do custo não se justifica apenas por causa das sementes. “Um saco de adubo de 25 quilos, em 2021, custava entre nove e 11 euros. Em Maio do ano passado, custava entre 20 e 22 euros”, acrescenta Filipe Veríssimo, estimando que “uma cultura de arroz gasta sempre em torno de 300 quilos” de adubo. Contas feitas, são precisos cerca de 12 sacos. Em apenas um ano, o custo com este produto passou de 3300 para 6300 euros.

E há mais: a inflação também se sente no gasóleo agrícola, que, lembra Filipe Veríssimo, passou de 0,80 euros para cerca de 1,20 euros. De acordo com o portal dos preços dos combustíveis da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEC), o gasóleo colorido (ou agrícola) custava, em média, um euro em 2021. No ano passado, o preço médio subiu para 1,46.

A juntar a esta espiral de custos, há ainda o conflito armado na Ucrânia. A guerra provocou um aumento substancial no custo da energia, com o preço do gás a subir de forma acentuada e a electricidade a atingir máximos históricos. Uma subida de preços que também afecta o arroz que nos chega ao prato. É que na sua produção são utilizados secadores que servem para remover a humidade antes de o entregar nas fábricas.

“No final de Outubro de 2021, a tonelada de gás custava mil euros. No ano passado, começámos a campanha (de secagem do arroz) com o preço nos 1530 euros”, continua Veríssimo. O mesmo portal mostra que o gás natural liquefeito (usado em processos de secagem) custou em média 1,31 euros por quilo em 2021. A média total do ano transacto ascendeu aos 3,21 euros.

O presidente da CAP corrobora os números avançados: “(Há um) aumento do preço dos fertilizantes na ordem dos 300%, dos fitofármacos (50%), dos combustíveis (100%) e da electricidade (150%).”

Estes aumentos levaram os orizicultores a vender mais caro o arroz que produzem. Socorrendo-se dos registos na sua agenda, Filipe Veríssimo revela que, entre 2018 e 2021, o preço pago pela tonelada de arroz carolino em casca rondava entre os 350 e os 400 euros. Em 2022, disparou para os 650. “Os custos de produção subiram muito”, justifica.

Transformar o arroz

Até chegar à prateleira do supermercado, uma tonelada de arroz carolino perde cerca de 40% do seu peso: 20% quando é descascado e o resto “quando passa por processos mecânicos para ficar branco”, elucida Pedro Monteiro, director-geral da ANIA. De uma tonelada, sobram cerca de 600 quilos de arroz branqueado e aí “o preço passa logo para cerca de 1083 euros por tonelada”, estima.

Também na indústria contam os aumentos no custo de transporte, do embalamento que “aumentou muito” devido ao custo do plástico, da energia eléctrica e do gás para o armazenamento e transformação do arroz. Há ainda que ter em conta as “estruturas das empresas, as suas margens, os custos comerciais” e ainda as margens da grande distribuição.

“Tudo somado leva ao preço final do arroz, que depende muito da estrutura de cada empresa”, afirma Pedro Monteiro, ao reconhecer que a situação é “um problema transversal a todos”.

A questão das “margens”

Filipe Veríssimo diz que a indústria “não consegue vender o arroz muito mais caro” e vê “uma grande diferença que fica pelo meio”: o preço pago pela indústria ao produtor (0,65 cêntimos por quilo) e os dois euros cobrados nos supermercados.

“Nós sabemos que a grande distribuição tem de levar a ‘maior fatia’. É assim em quase todos os sectores. Têm uma margem, à qual acrescem os custos de transporte e outras variáveis. A indústria é quase obrigada a vender ao preço que a grande distribuição quer”, aponta.

Por outro lado, em declarações ao PÚBLICO, fonte oficial da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) explica que “a distribuição manteve as margens, que, aliás, são muito baixas”. Reconhece o aumento nos custos de produção e justifica que esses factores passaram para o valor do produto final, por parte dos fornecedores. “Da parte dos retalhistas, o que sabemos é que as margens se mantiveram iguais”, reforça a mesma fonte, que identifica uma igual quebra na produção “em cerca de 20%” no arroz carolino.

E os outros arrozes?

Para entender o contraste de preços entre tipos de arroz, o director-geral da ANIA aponta duas razões: a inflação da energia e do gás estar “muito concentrada” na UE, devido ao conflito armado, e o facto de que 90% da área de arroz cultivada em Portugal é de arroz tipo carolino.

“Ou seja, os preços do arroz carolino e dos arrozes produzidos na Europa foram os mais afectados por estes factores exógenos. Por exemplo, na Ásia ou na América do Sul não se assistiu a este impacto” — analisa.

Por cá, indica ainda o presidente da CAP, produz-se 60% do arroz que se consome. Uma vez que Portugal também exporta arroz e os portugueses são os maiores consumidores deste produto na Europa, há uma margem que depende das importações.

“Se formos ver a correlação de subida de preço entre o carolino e o agulha, este último não subiu muito. O arroz-agulha quase não se produz em Portugal, vem praticamente todo de outros países”, sustenta Filipe Veríssimo.

Europa pode sofrer com falta de arroz

Para arrematar a longa equação, o presidente da CAP lembra que a aplicação de uma taxa específica de 20% na exportação da Índia — o maior exportador mundial de arroz — pode levar a uma restrição da oferta deste bem alimentar e provocar um “desencontro” entre oferta e procura.

“Há o risco de uma subida dos preços que se pode agravar nas próximas semanas, dependendo do comportamento dos mercados e do necessário ajustamento”, avança Eduardo Oliveira e Sousa. O presidente da CAP considera mesmo que a produção de arroz da UE se encontra numa posição “bastante delicada”: diminuiu 8% ao longo da última década, o consumo aumentou 16% e as importações dispararam em 68%.

Texto editado por Ivo Neto

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