Ex-deputada assassinada no Afeganistão, “o inferno na terra para as mulheres”

Mursal Nabizada, 32 anos, continuava a trabalhar para uma ONG, actividade que passou a ser ilegal para as mulheres depois de uma decisão recente dos taliban.

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A afegã Mursal Nabizada, de 32 anos, foi assassinada em sua casa DR

Quando os taliban reconquistaram Cabul, em Agosto de 2021, muitas mulheres saíram de casa sem tempo para fazer as malas. Algumas fugiram horas depois, em direcção ao aeroporto de Cabul, a uma fronteira terrestre ou a uma casa que considerassem mais segura, outras demoraram alguns dias a percorrer o mesmo caminho. Políticas, ex-políticas, activistas empenhadas na educação das afegãs, jornalistas, artistas... Mursal Nabizada era deputada quando os radicais ocuparam o palácio presidencial da capital afegã e escolheu ficar. Um ano e meio depois, foi assassinada em casa.

O chefe da polícia de Cabul, Molvi Hamidullah Khalid, confirmou a morte de Nabizada no domingo. A ex-deputada foi morta a tiro durante a madrugada, ao lado de um dos seus guarda-costas, no primeiro andar da sua casa, que usava como escritório; outro guarda e o seu irmão ficaram feridos no ataque. Um terceiro guarda-costas fugiu com dinheiro e jóias, revelou Khalid, que diz ter sido iniciada uma “investigação séria”.

As autoridades parecem acreditar que a conhecida crítica do regime dos “estudantes de teologia”, de 32 anos, foi morta por motivos pessoais, alegadamente a mando do ex-marido. Desde o divórcio, mantinham-se “problemas por resolver” e “havia há algum tempo um conflito entre as famílias dos dois”, descreve o Rukhshana Media, um grupo jornalístico formado por mulheres. Seja quem for o culpado, a verdade é que no Afeganistão dos taliban os assassínios de mulheres têm aumentado, ao mesmo tempo que as sucessivas decisões contra os seus direitos resultaram num clima de impunidade face à violência contra as afegãs.

Eleita por dois mandatos para a câmara baixa da Assembleia Nacional no anterior Governo, Nabizada era membro da Comissão de Defesa do Parlamento e trabalhava para uma organização não-governamental, o Instituto para o Desenvolvimento e Pesquisa de Recursos Humanos, ocupação que manteve quando o Parlamento deixou de funcionar e as mulheres foram proibidas de exercer política, de frequentar a universidade ou de aceder a parques e jardins.

Há cerca de quatro meses, revela a emissora pública alemã Deutsche Welle, Nabizada foi entrevistada pela televisão afegã sobre o seu trabalho na ONG, o que trouxe de novo a público a sua actividade. No final de Dezembro, os taliban anunciaram que as ONG afegãs e estrangeiras passavam a estar proibidas de empregar mulheres, decisão que interrompeu o trabalho de várias organizações.

No Twitter, a ex-deputada Mariam Solaimankhil, que coincidiu com Nabizada no Parlamento, lembra uma “destemida defensora do Afeganistão” e “uma verdadeira pioneira – mulher forte e franca, que defendeu aquilo em que acreditava, mesmo diante do perigo”. Apesar “da oportunidade de deixar o Afeganistão, escolheu ficar e lutar pelo seu povo”, acrescentou.

Sara Wahedi, activista dos direitos humanos e criadora de uma app de alertas de segurança, trânsito e cortes de electricidade no Afeganistão, sublinha, também no Twitter, que a ex-deputada não fugiu quando os taliban assumiram o controlo do seu país, concluindo que “o Afeganistão é o inferno na terra para as mulheres”.

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