Inundações: geógrafa avisa que o que aconteceu no Porto “não é único nem excepcional”
Especialista em ciência do clima avisa que cheias no Porto estão associadas a uma “vulnerabilidade criada pela artificialização dos territórios”. Geógrafa fala em desconhecimento face ao clima na AMP.
A geógrafa especialista em ciência do clima Ana Monteiro apontou esta terça-feira a "falta de conhecimento geográfico" e de "humildade" nas decisões de obras face ao sistema climático, descartando que o fenómeno ocorrido no fim-de-semana no Porto tenha sido "excepcional".
"A minha preocupação era para a Área Metropolitana do Porto [AMP], onde eu trabalho e conheço melhor o território, e se adivinha que, com a falta de conhecimento geográfico e a falta de humildade (...) que existe relativamente às nossas decisões, respeitando às características desta personagem que é o sistema climático, estas circunstâncias vão acontecer, e a vários níveis", disse esta terça-feira Ana Monteiro.
A professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) defende que "quando se toma uma decisão, tem de haver uma visão ou uma análise holística, mas não pode ser exclusivamente de uma área de saber, tem de haver várias perspectivas do conhecimento, e a geografia tem de estar nessas decisões".
"Os cursos da água, por onde passam, o sistema climático, qual é a variabilidade, o que é um episódio excepcional, que estações climatológicas que nós temos para monitorizar o sistema climático ao nível local... Isso não existe", disse à agência Lusa.
Para Ana Monteiro, o que aconteceu este fim-de-semana no Porto "não é único". "É olhar para a série secular e percebe-se que não é único nem excepcional", disse à agência Lusa por telefone, baseando-se nos "registos da Serra do Pilar, no Porto", entre 1880 e 2007.
Segundo a geógrafa e climatologista, "à luz desta informação" e da análise que tem feito no seu tempo de trabalho, "as ondulações da frente polar não têm nada de anormal".
O que mudou foi a nossa vulnerabilidade
"É absolutamente comum na nossa latitude que elas aconteçam ao longo e particularmente nesta época do ano", fazendo "parte dos nossos estados de tempo muito frequentes". Para Ana Monteiro, "o que mudou foi a nossa exposição a esse risco, a nossa vulnerabilidade a esse risco".
"Deixámos de observar o sistema climático e os estados de tempo e por isso sobrevalorizámos a técnica, a inovação tecnológica e ficámos convictos que, com inovação tecnológica, éramos capazes de resolver todas as circunstâncias", observou.
Ressalvando que para encontrar uma explicação técnica do que aconteceu se "terá de perguntar aos especialistas e aos decisores do município do Porto que estão, seguramente, muito bem informados", Ana Monteiro apontou uma possibilidade. Para a estudiosa do tema, "não é difícil imaginar que com a impermeabilização do solo excessiva, e com a falta de conhecimento geográfico no sentido lato do termo, estas circunstâncias vão ocorrer".
A especialista sublinhou que "quem tem de tomar decisões" terá conhecimento sobre "por onde correm e para onde correm os cursos de água, temporários e permanentes" no Porto, disse. Para Ana Monteiro, é necessária a adaptação aos riscos climáticos, já que "a culpa não é do clima".
"Resultam muito mais da vulnerabilidade que nós criamos, com a artificialização do território, e com esta distracção relativamente ao sistema climático, esperando que a ciência e a técnica resolvam tudo", afirmou.
O concelho do Porto registou, no sábado, em menos de duas horas, 150 pedidos de ajuda por causa das inundações em habitações e vias públicas, principalmente na baixa da cidade, disse naquele dia à Lusa fonte da Protecção Civil local.
O vice-presidente da câmara municipal, Filipe Araújo, destacou que a autarquia não estava preparada para o que se sucedeu na Rua Mouzinho da Silveira, perto da estação de São Bento e da Ribeira, e onde decorrem obras da Metro do Porto, considerando que as obras que estão a decorrer podem ter provocado alguma alteração. Na sequência das enxurradas, a Metro do Porto pediu um estudo ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) sobre as condições da empreitada da Linha Rosa, que decorre na baixa da cidade.
Já o concelho de Vila Nova de Gaia registou, no sábado, mais de 60 ocorrências entre as 10h30 e as 13h00 motivadas pela chuva forte, levando ao encerramento de várias estradas. Sem registo de feridos, as inundações e quedas de murros foram as ocorrências que mais se verificaram, adiantou naquele dia à Lusa fonte dos Sapadores de Gaia.