Inadmissível, sejam quem forem os autores

Não podem existir quaisquer “mas” em relação aos actos praticados no centro do poder em Brasília, todos eles, e nomeadamente os que tiveram por objecto obras de arte e mobiliário.

Não existem, não podem existir, quaisquer “mas” ou “porém” em relação aos actos praticados no centro do poder em Brasília, todos eles, e nomeadamente os que tiveram por objecto obras de arte e mobiliário. Trata-se do mais abjecto vandalismo, que importa recriminar socialmente e punir com toda a severidade da lei aplicável. Sem atenuantes. Ponto final.

Dito isto, não pode deixar de vir à memória toda a problemática referente às práticas iconoclastas levadas a cabo nos últimos anos e meses sobre estátuas em espaço público e até sobre peças em colecções de museus. E a pergunta sobrevém, por mais incómoda ou politicamente desconfortável que seja: terão agora os mais radicais prosélitos das chamadas “agendas tribais”, e nomeadamente os chamados “activistas decoloniais”, a mesma tolerante compreensão, senão o mesmo acordo, que exprimiram noutras situações?

É que o universo pictórico e simbólico que ali povoa os corredores do poder é ainda principalmente o de um Brasil suportado em elites brancas, mesmo quando revestido de cores folclórico-paternalistas e líricas, como no caso das obras de Di Cavalcanti. E, de resto, na chamada América Latina em geral, as relações internas continuam ainda hoje a ser marcadas por uma relação colonial, agravada por discriminações étnicas profundamente chocantes.

Vai fazer um ano e como reacção às práticas iconoclastas, a Plataforma pelo Património Cultural produziu entre nós a “Carta de direitos do Património Cultural português”. Nela se declara o direito “à resistência perante ameaças iconoclásticas” e “perante casos abusivos de iconofilia”, no pressuposto que “nenhum ‘hoje’ pode considerar seus (os bens culturais) e, pelo contrário, os deve usufruir com a humildade de pensar no ‘ontem’ e no ‘amanhã’”. A reler e meditar, depois do que vimos em Brasília.

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