Portas giratórias: lei “falha” na punição de Rita Marques e da empresa que a contrata
Lei prevê impedimento de acesso a cargos públicos por três anos para quem a violar, mas não sanciona empresas que contratam ex-políticos que as beneficiaram no mandato. Regra existe desde 1993.
Em três questões, há acordo: a ex-secretária de Estado do Turismo está a violar a lei das incompatibilidades, mas a sanção é demasiado leve e resume-se ao impedimento de voltar ao sector público durante três anos. E o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos deve ser revisto para ter punições exemplares.
Essa é a interpretação de João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, e de Paulo Trigo Pereira, ex-deputado eleito pelo PS e que participou na elaboração da lei, sobre a situação de Rita Marques, que foi este mês contratada pela empresa The Fladgate Partnership depois de, há 11 meses, ter assinado um despacho que atribui a utilidade turística a uma das subsidiárias daquela.
O PÚBLICO questionou a ex-secretária de Estado sobre, entre outras coisas, se conhecia as regras e se admitia voltar atrás na decisão, mas Rita Marques argumentou apenas que está a regressar ao sector privado, onde estava antes de 2019, e que o seu despacho que favoreceu o grupo The Fladgate Partnership se limitou a confirmar uma decisão de 2018, depois da apreciação positiva do Turismo de Portugal. O presidente da holding não respondeu ao pedido do PÚBLICO.
A letra da lei é "claríssima" e a ex-governante está, de facto, a violá-la ao assumir, mês e meio depois de deixar o Governo, o cargo de administradora numa empresa que foi beneficiada por uma decisão sua, aponta João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica. "É óbvio que viola a letra e o espírito da lei, que pretende precisamente evitar estes casos de portas giratórias", vinca Paulo Trigo Pereira.
Para Batalha, há duas omissões: "A sanção de não poder assumir altos cargos públicos ou políticos não é dissuasora; quem faz isto não tenciona voltar ao sector público. Além disso, a lei devia castigar também a empresa. São precisos dois para dançar este tango: se a governante está a violar a lei, a empresa também é co-autora." Por isso, o activista defende que deveria estar previsto um automatismo legal que tornasse nulas as decisões da governante e a empresa deixasse de beneficiar das vantagens que obteve com o despacho da secretária de Estado.
Não havendo tal mecanismo, a expectativa do dirigente da Frente Cívica é que o ministro tome essa iniciativa. "Ou então o crime compensou e o ministério foi usado para dar uma vantagem patrimonial à empresa e à governante. Cabe a Costa e Silva o bom senso de repor a dignidade do ministério", desafia. E critica o PS e o PSD por deixarem a "porta escancarada" para os políticos tratarem da sua vida.
Já Paulo Trigo Pereira, deputado eleito pelo PS (e depois passou a não inscrito), admite que "a lei não está muito bem feita, embora tenha sido um avanço em várias questões, e falha na punição, porque a sanção é insuficiente e limitada", defendendo que deveria ser no mínimo de dez anos para "dar um sinal mais claro". "A sanção não é proporcional à gravidade da situação. A intenção da lei é evitar um claríssimo conflito de interesses precisamente como o que está a acontecer aqui."
O ex-deputado não concorda, porém, que a empresa que agora contrata Rita Marques deva ser também sancionada. "Isto é uma lei sobre titulares de cargos públicos e políticos, não sobre empresas." Na falta da Entidade da Transparência, terá de ser o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional a analisar o caso.