“Ela não tem nada que ver com isto”: marido da secretária de Estado nega ilegalidades
Contas bancárias de Carla Alves e do marido, Américo Pereira, ex-autarca de Vinhais, foram investigadas. Ministério da Agricultura diz que nomeação da secretária de Estado não está em causa.
Américo Pereira, ex-autarca de Vinhais e marido da secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, negou qualquer ilegalidade na manhã desta quinta-feira, depois de ser conhecida uma investigação que abrange as contas bancárias do casal.
O Ministério Público (MP) identificou uma discrepância entre os rendimentos declarados pelo casal e o balanço nas contas bancárias entre os anos de 2013 e 2020, avançou o Correio da Manhã. A Polícia Judiciária (PJ) investigou suspeitas de crimes de corrupção activa e prevaricação num negócio de compra de terrenos em Vinhais.
Questionado sobre a diferença entre as declarações de rendimento e os balanços das contas, o ex-autarca garantiu, em conferência de imprensa, que as discrepâncias se devem a um “erro contabilístico”, garantindo que a defesa está preparada e vão ser dadas todas as explicações às autoridades. Américo Pereira distanciou ainda a governante do caso, garantindo que Carla Alves “não tem nada que ver” com o processo.
“Faço questão de falar sobre este assunto, porque tenho de me defender, não posso ouvir falsidades na praça pública e ficar calado. O que foi arrestado das contas bancárias não foram as contas, mas sim os saldos que existiam em Março de 2022. Das contas [sob investigação] há apenas uma que tem a minha mulher como titular. Ela já reagiu, dizendo que o processo diz respeito ao cidadão Américo Pereira. Essa discrepância trata-se de um erro contabilístico: o MP pegou em todas as entradas a crédito nas contas bancárias e somou. Depois pediu explicações sobre as proveniências”, pormenorizou o ex-presidente da Câmara de Vinhais.
Nomeação não está em causa
O Ministério da Agricultura relembrou, em resposta ao Correio da Manhã, que a secretária de Estado não é arguida em qualquer processo. Não existindo indícios de envolvimento de Carla Alves nas suspeitas imputadas ao marido, o ministério considera não existir qualquer “que coloque em causa a sua nomeação”.
A existência deste processo foi revelada em nota publicada a 21 de Março de 2022 na página da Procuradoria-Geral Distrital do Porto. O antigo autarca foi acusado de crimes na sequência de um negócio da compra de terrenos para um seminário na vila do distrito de Bragança. O processo aguarda o arranque da fase de instrução.
Além de Américo Pereira, o padre Luís Teixeira, reitor do Seminário de Vinhais, o empresário Nuno Gomes e a sua empresa TecVinhais – que participaram na venda deste terreno – também foram constituídos arguidos. Em declarações ao semanário regional Nordeste ainda em Março de 2022, o antigo membro da assembleia municipal do concelho negou qualquer irregularidade.
Vantagem patrimonial negada
O MP considera que os arguidos “obtiveram elevados lucros em prejuízo do erário do município e do seminário”. Uma acusação que Américo Pereira negou esta quinta-feira: “Eu não sou acusado de retirar qualquer vantagem patrimonial. Só sou acusado de, por ser amigo dos outros senhores, os ter beneficiado – o que é surreal, não cabe na cabeça de ninguém.”
Carla Alves, a nova secretária de Estado da Agricultura, tem quatro contas bancárias arrestadas pela Justiça. A PJ registou esta discrepância entre as declarações e os rendimentos auferidos após ter sido levantado o segredo bancário.
Em 2013, Carla Alves e Américo Pereira declararam 44 mil euros, mas os rendimentos terão ascendido aos 54 mil. Em 2014, terão entrado nas contas do casal 180 mil euros, apesar de terem sido declarados apenas 135 mil. A disparidade entre as declarações e os verdadeiros rendimentos ter-se-á mantido até 2020 – ano em que a então funcionária de instituições públicas e o autarca depositaram 264 mil euros, valor muito superior aos 100 mil euros declarados.
O despacho do MP estima que os dividendos ilícitos ascenderam a 1,1 milhões de euros. As suspeitas apontam para os crimes de corrupção activa e prevaricação, com a exigência da devolução de cerca de 700 mil euros ao Estado, por não ser possível explicar a sua proveniência.
Carla Alves foi nomeada secretária de Estado da Agricultura esta quarta-feira, em substituição de Rui Martinho, que abandona as funções por motivos de saúde.
Nova polémica no Governo
Este é mais um dos casos polémicos nas últimas semanas a envolver membros do Governo. O mais recente prendeu-se com a indemnização de 500 mil euros recebido pela ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis por ter saído da administração da TAP.
Inicialmente, a companhia aérea explicou no comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que tinha sido Alexandra Reis a apresentar a “renúncia ao cargo”, algo que não envolveria o pagamento de indemnizações. Soube-se, meses mais tarde, que Alexandra Reis tinha exigido uma indemnização de quase 1,5 milhões de euros à TAP, chegando, depois, a acordo com a empresa para reduzir o pagamento para 500 mil euros.
O conhecimento – ou falta dele – dos ministros foi escrutinado nos dias que se seguiram. O caso levou à saída do Governo do ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, com o ministro das Finanças, Fernando Medina, a garantir que não sabia da indemnização e a manter-se no cargo.