A pandemia que mudou as nossas vidas faz três anos

Foi há três anos, a 5 de Janeiro de 2020, que a Organização Mundial da Saúde se referiu pela primeira vez à misteriosa doença que estava a afectar a China.

Foto
A China terminou recentemente com o confinamento devido à covid-19 ALEX PLAVEVSKI/EPA

Foi a 5 de Janeiro de 2020 que a Organização Mundial da Saúde se referiu pela primeira vez a uma misteriosa doença detectada no fim de 2019 na China. Fê-lo de forma lacónica: chamou-lhe pneumonia de “etiologia desconhecida (causa desconhecida)”. Não a nomeia de forma directa – e nem poderia, porque ainda não tinha sido baptizada –, mas foi a primeira vez que se referiu à doença que nos anos seguintes fez manchete em todo o mundo: a covid-19.

A primeira nota é relativamente curta. Detalha que a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi informada, no dia 31 de Dezembro pelas autoridades chinesas, de uma doença que estava a manifestar-se na cidade de Wuhan, na província de Hubei.

De acordo com esta primeira nota, já havia várias pessoas isoladas. A OMS citava ainda os sintomas mais comuns: febre, “alguns pacientes têm dificuldade em respirar” e as “radiografias ao peito mostram lesões invasivas nos dois pulmões”.

Lê-se que alguns dos doentes eram vendedores num mercado de peixe e, “baseando-se na informação preliminar da equipa de investigação chinesa”, não havia indícios de “transmissão significativa de humano para humano” – prova do pouco que se sabia no início da pandemia e do quanto se aprendeu com a sua progressão.

Os conselhos são os de sempre para infecções respiratórias. Alguns ficaram na história por estarem errados. Por exemplo, num primeiro momento, a Organização Mundial da Saúde não recomendou qualquer tipo de medidas aplicadas a viajantes: “A OMS posiciona-se contra a aplicação de qualquer restrição às viagens ou comércio na China baseada na informação disponibilizada sobre esta situação.”

Uma doença “misteriosa” nos jornais

A informação rapidamente teve eco nos jornais de todo o mundo. Nesta fase, as dúvidas eram mais do que as certezas e isso reflectiu-se nas palavras escolhidas para descrever a doença. A 6 de Janeiro, o New York Times publicava um artigo sobre a covid-19 chamando-lhe “uma doença misteriosa parecida com uma pneumonia”. Começa por detalhar a história de Li Bin, um dos primeiros doentes com covid-19, que registou uma febre alta que não cedia com o passar dos dias e foi um dos primeiros isolados do mundo.

Nesta altura, conforme explora o artigo, o fantasma da SARS (síndrome respiratória aguda severa), que também começou na China, ainda estava bem presente. Contudo, e como se lê mais à frente, nesta altura as autoridades já tinham descartado que se tratasse de SARS, MERS (síndrome respiratória do Médio Oriente), gripe das aves e adenovírus.

“Espero que este agente patogénico seja menos perigoso, de forma a não causar uma epidemia em larga escala como a SARS”, escreveu o jornal norte-americano, citando um perito em saúde pública da Universidade de Hong Kong – onde também se desconfiava de alguns casos. “Isso seria um pesadelo para todos nós”, admitiu Leo Poon.

O jornal também refere como as pessoas tentavam lutar contra a incerteza. Nessa altura, nas publicações sob a hashtag #WuhanSARS do Weibo (o equivalente chinês do Twitter) lia-se uma mensagem que encapsulava o medo dos primeiros tempos: “Não tenho o direito a falar e nem sei a verdade”, escreveu um utilizador naquela rede social. “Será que não tenho direito a entrar em pânico e salvar-me?”

O britânico Guardian, numa das primeiras notícias sobre o assunto, a 7 de Janeiro, reforçava a ideia e fazia título com a “doença-mistério da China”. “A China está a combater o que poderá ser uma nova estirpe de pneumonia, depois de 59 pessoas terem contraído uma doença respiratória misteriosa no centro da China, aumentando os receios de outro surto de SARS”, lê-se.

No mesmo dia, a CNN escrevia que as “autoridades de saúde chinesas ainda não foram capazes de identificar uma misteriosa estirpe de pneumonia” – noutro ponto chama-lhe “pneumonia viral desconhecida” –​ e refere que a Ásia estava em “alerta máximo”.

A primeira notícia no PÚBLICO também foi publicada no dia 7, onde se referia à covid-19 como “uma estranha forma de pneumonia” que estava a “preocupar a China” e que não se sabia o que era “ao certo”.

A incerteza também deu origem a formulações infelizes e até discriminatórias. A 11 de Janeiro, quando se registou a primeira morte na China, o El País chamou-lhe “a misteriosa pneumonia chinesa” que fez “a sua primeira vítima mortal”. Nessa altura, já se sabia que se tratava de um coronavírus e as autoridades tentavam o seu melhor para “enviar uma mensagem de tranquilidade, assegurando que não se detectaram novos casos desde o passado ida 3 de Janeiro”. O tempo veio a mostrar que não se trata de uma “pneumonia chinesa”, quando conseguiu chegar a todo o mundo.

Três anos e um déjà-vu

A doença ganhou nome – coronavírus disease 2019, abreviada para covid-19 –, deixou-se descobrir, ganhou várias novas variantes. A mais recente, a XBB.1.5, está a propagar-se pelos Estados Unidos no início de 2023 e já representa cerca de 40% dos casos de covid-19. Em regiões como Nova Iorque, atinge já os 75% de casos confirmados.

Em três anos, os médicos aprenderam a controlar melhor a doença, ganharam-se medicamentos e vacinas específicas para a combater – que se revelaram uma verdadeira arma para terminar com os sucessivos confinamentos. Porém, nem toda a gente concorda e o negacionismo associado à pandemia também aumentou ao longo dos anos

Todas as armas que se descobriram não foram suficientes para evitar que o mundo chegasse aos 662 milhões de casos e que a doença matasse seis milhões de pessoas, de acordo com os dados mais recentes da Universidade Johns Hopkins (EUA).

E o terceiro aniversário traz um sabor a déjà vu. O fim dos confinamentos restritos na China (ao abrigo da política de "zero covid") fez aumentar o número de infecções naquele país. Os números reais continuam um mistério e as autoridades chinesas parecem reticentes em dar uma imagem completa do que se passa no país. Neste momento, o que passa para fora são as imagens dos hospitais chineses, que se batem (outra vez) com níveis de infecção e doença grave que não conseguem conter. A fita rebobina – três anos depois, alguns países estão a impor restrições aos viajantes chineses (outra vez), com a China a prometer responder na mesma moeda.

“Acreditamos que as restrições à entrada adoptadas por alguns países, tendo como alvo a China, não têm bases científicas e algumas práticas mais excessivas são ainda mais inaceitáveis”, disse, esta quarta-feira, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Mao Ning, numa conferência de imprensa. “Opomo-nos firmemente às tentativas de manipular as medidas de covid-19 para propósitos políticos e vamos tomar contramedidas baseadas no princípio da reciprocidade.” Resta saber como os próximos tempos vão correr.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários