Alto Egipto: breve viagem pela eternidade

O leitor Tomás Reis leva-nos numa viagem desenhada pelo Egipto, onde “é fácil perder a noção de tempo”.

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Pelo Alto Egipto Tomás Reis
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Pelo Alto Egipto Tomás Reis

Ao vivo e a cores. Assim encontramos a sepultura de Tuthankamon, mais de 3000 anos fechada, à espera de que alguém a fizesse recontar a história de um Egipto precursor de civilizações. Um Egipto que, ao contrário de tantos outros reinos mergulhados no quotidiano, viveu no sonho da eternidade, e ali, no Vale dos Reis, parece ter conseguido o merecido descanso.

O Sol levanta-se e revela os caprichosos sulcos do deserto, certamente talhados por chuvas de um passado distante, porque na acumulação de pó e de areia é como se a chuva tivesse olvidado de ali cair durante milénios. Então resta revelar o que a poeira esconde, porque houve túmulos que chegaram incólumes, na cor original, com os tectos pintados de céu e estrelas e hieróglifos com indicações para uma vida pós-terrena. Espreitam-se túmulos: Ramsés IV, Ramsés III, Ramsés IX, sem acreditar no que se vê. Como se pode encontrar tanta cor, e cores tão antigas, debaixo de um deserto tão estéril!

No topo do vale, está El Qurn, monte quase piramidal, talvez a razão de ser dos sepulcros ali escavados - e também do Vale das Rainhas, e até do Vale dos Macacos, à volta do monte. No lado oposto está uma imensa escarpa voltada ao sol nascente, e onde a rainha Hatschepsut mandou fazer o seu templo funerário, com duas eternas rampas a vencer colunatas monumentais. E, no alto, a tocar na falésia, o santuário, com cores a ilustrar cenas do reino, barcos imensos que chegam de outras paragens com árvores transportadas em cestas que, presume-se, seriam transplantadas para aquele vale mineral.

O nome de Hatschepsut viria a ser envolvido em discórdia, sendo apagado de inscrições. E muito do que se vê à volta foi levado ao longo dos tempos: já pouco resta do grandioso Ramsseum, o templo de Ramsés II, que em 1818 inspirou o soneto de Bysshe Shelley, Ozymandias, sobre a civilização desaparecida, à excepção de uma estátua gigante, caída no deserto. Ou dos enigmáticos Colossos de Memnon, também parte de um templo imenso - como seria!

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Alto Egipto: breve viagem pela eternidade TOMÁS REIS

Mas é a atravessar as águas do Nilo que se se vê a extensão dos templos, mais do que puxar pela imaginação. É em Karnak que se entra no templo pelo antigo cais, onde uma alameda de esfinges saudava quem ali desembarcasse. O templo é uma sucessão de florestas de colunas, só comparável às maiores catedrais, e um labirinto de antigos santuários dedicados às divindades. Todo este complexo monumental aparece espelhado no lago sagrado, que não seca nem turva. Dali sai a grande alameda de esfinges, sempre ladeada de estátuas, até ao templo de Luxor, a dois quilómetros.

Em Luxor é-se recebido pelas estátuas de dois faraós e um obelisco - o que o acompanhava foi oferecido pelo Egipto a França e marca a Praça da Concórdia. E todo o resto do templo tem marcas dos tempos: da mesquita medieval e da apropriação, por vários cultos religiosos, de partes do templo, sem aparente mudança de feição.

Segue-se a navegação do Nilo, no barco que solta amarras não muito longe do templo. A paisagem mostra-se muito mais variada do que se espera: são aldeias de todas as formas, campos de açúcar, banana ou manga, e o lento, quase desapercebido fluir das águas. Há pescadores e vendedores de tecidos, cujos barcos encostam aos navios de cruzeiros. O resto é silêncio, é a espera pela passagem pela eclusa de Esna e o ruberescer do céu crepuscular.

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Alto Egipto: breve viagem pela eternidade Tomás Reis
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Alto Egipto: breve viagem pela eternidade TOMÁS REIS

Nas margens, espreitam outros fragmentos de eternidade: são os templos de Kom Ombo e de Edfu. Neste último, o mais bem conservado do Egipto, a floresta de colunas descansa sob tectos ainda pintados, com hieróglifos de muitas cores. A entrada está guardada por dois falcões de granito: foi à frente de um deles que, há quase 100 anos, Calouste Gulbenkian se fez fotografar, inspirando a estátua que hoje há em Lisboa.

Continuando rio acima, estreita-se o grande oásis, até ver as águas a tocar no deserto. É na primeira catarata, em Assuão, que os rápidos põem fim à navegação. Mas a impressão de ali ver as ilhas rochosas, ainda cobertas de vegetação, e o movimento de faluas que navegam ao vento, faz crer que se chegou a um oásis dentro de um oásis.

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Alto Egipto: breve viagem pela eternidade TOMÁS REIS
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Já na albufeira da barragem mais baixa do Nilo, descobre-se um templo que também é uma ilha: Philae, expoente da arquitectura tardia, de um Egipto helenizado e romanizado. De Assuão também saem excursões para Abu Simbel. De uma escarpa se escavaram dois monumentos ao Faraó Ramsés II e à sua amada, Nefertari. E quando a barragem ameaçou inundar a zona moveu-se a escarpa, para um lugar onde estivesse a salvo. Hoje, os monumentos mostram marcas quase imperceptíveis do corte das rochas. No interior admiram-se cenas das batalhas e das conquistas do faraó, como se o tempo não tivesse passado por elas.

No alto Nilo, é fácil perder a noção de tempo: basta um raio de luz e alguns instantes de eternidade para pensar no tempo, nos anos que passaram, e também em novos começos.

Tomás Reis (texto, desenhos e fotos)

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