Marina Silva volta à pasta do Ambiente no Governo do Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que ocupou entre 2003 e 2008. Mas, agora, o desafio vai ser ainda maior. “O Ministério do Meio Ambiente está destruído. O Governo de Jair Bolsonaro deixou um cenário de terra arrasada. É preciso reconstruir e, ao mesmo tempo, reforçar a questão ambiental e a questão climática nos diferentes ministérios. Esse é o desafio, e acho que a única pessoa com força suficiente para isso é a ministra Marina Silva”, assegura Suely Araújo, analista sénior de políticas públicas do Observatório do Clima, uma rede de 78 entidades da sociedade civil brasileira formada com o objectivo de discutir as mudanças climáticas no contexto do Brasil.
Em 2008, Marina Silva deixou o Governo e também o Partido dos Trabalhadores, dizendo não ter apoio para pôr em prática a sua agenda ambiental. Noutros sectores era acusada de travar as licenças ambientais para o lançamento de projectos de infra-estruturas na Amazónia, o que a fez entrar em confronto com a futura Presidente Dilma Rousseff – contra a qual Marina da Silva concorreu em duas das suas três candidaturas à presidência.
Contudo, pôs em prática o que é unanimemente considerado uma política de sucesso para travar o desmatamento na Amazónia: o Plano de Acção para Prevenção e Controlo do Desmatamento na Amazónia Legal (PPCDAm).
O PPCDAm foi criado em 2004 e vigorou até 2018. Até ao fim do segundo mandato de Lula, em 2010, a redução da desflorestação foi de 73%: passou de 25.400km², em 2003, para sete mil km2 anuais, segundo a Deutsche Welle. Como termo de comparação, durante os quatro anos de mandato de Jair Bolsonaro, a partir de 2019, a taxa medida anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais duplicou: passou de 7500km2 para 13 mil km2.
Agora, pouco tempo antes das eleições, Marina Silva, que era senadora pelo partido Rede, retomou relações com Lula da Silva, trazendo para a campanha um programa ambiental, que culminou na sua nomeação ministerial. Mas as coisas são mais complexas do que em 2003, sublinha Suely de Araújo, especialista do Observatório do Clima. “A crise ambiental é pior, embora o desmatamento, quando ela pegou lá em 2003, estivesse mais alto do que está agora. Mas agora estamos numa curva ascendente, por causa do Governo Bolsonaro, com uma taxa de desmatamento bem maior que a média dos governos anteriores”, disse ao PÚBLICO a especialista.
“Marina é um símbolo”
“Na Amazónia houve uma explosão do desmatamento, de invasões das terras indígenas. O Governo Bolsonaro impulsionou muito isso com as suas omissões. Hoje, há conexões entre o crime ambiental e crimes do tráfico de drogas, de tráfico de armas. Hoje, o ilícito ambiental é alimentado por organizações criminosas poderosas e isso é uma realidade bem diferente de há 20 anos”, frisa Suely Araújo, que foi presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre 2016 e 2018.
Mas há muitas esperanças no que consiga fazer Marina Silva – nascida no Acre, na Amazónia, há 64 anos, filha de seringueiros (trabalhadores da extracção da árvore da borracha), era empregada doméstica, mas actuou com o líder seringueiro Chico Mendes e conseguiu formar-se. É historiadora, e ocupou vários cargos públicos. “Marina é um símbolo da luta pela protecção do meio ambiente e pela garantia dos direitos socioambientais também, que inclui povos e comunidades tradicionais. Tem um histórico de vida que a habilita para isso”, explica Suely Araújo.
Apesar disso, houve alguma hesitação de Lula da Silva em atribuir-lhe a pasta do Ambiente, que chegou a ser oferecida a outra aliada, a senadora do Mato Grosso do Sul Simone Tebet, eleita pelo Movimento Democrático Brasileiro. Isto mostra que a posição de Marina Silva é mais frágil do que seria esperado? “Acredito que não enfraquece. Provavelmente o Presidente Lula estava tentando encontrar uma saída com um bom cargo para duas mulheres que ajudaram muito na campanha”, responde Suely Araújo.
“Pessoalmente, acho que não haveria viabilidade da senadora Simone Tebet para esse cargo, porque ela não tem experiência no tema. Ela é uma senadora muito respeitada, mas com muitas ligações fortes com o agronegócio. Acho que criaria um conflito no dia-a-dia do Ministério [do Meio Ambiente]”, diz a especialista em políticas públicas. Tebet acabou por ficar com o Ministério do Planeamento.
O Governo de Lula da Silva é formado com base numa coligação ampla, com forças de esquerda e de direita, e outras que, mais do que ideologias, defendem interesses – como é típico do sistema brasileiro. Estará o Presidente mesmo disposto a comprar todas as contendas que o mundo lhe irá pedir para salvar a Amazónia, que é o foco das atenções ambientais para quem está fora do Brasil, mantendo o equilíbrio na sua coligação? Até que ponto vale a promessa feita na Cimeira sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas, no Egipto, de que “o Brasil está de volta”?
“Não vai ser um governo fácil. É um governo de coligação, mas o Presidente Lula assumiu compromissos importantes na campanha e a sociedade civil estará monitorando para que ele os cumpra”, assegura Suely Araújo. “O Presidente Lula assumiu o compromisso de fazer do Brasil um líder no tema clima. Ele tem condições de fazer isso? Acho que a Marina Silva pode ajudar muito”, afirma.
O mais urgente
O mais urgente, diz Suely Araújo, é que o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática – o nome foi mudado para o adequar à urgência actual, anunciou Marina Silva – retome o Plano de Acção para Prevenção e Controlo do Desmatamento na Amazónia Legal. Há urgência também em retomar o Fundo Amazónia – financiado essencialmente pela Noruega e Alemanha, mas suspenso em 2019 depois de o Governo Bolsonaro fazer alterações na forma de gestão do fundo. Há 3,3 mil milhões de reais paralisados, ou cerca de 542 milhões de euros, mas os dois países anunciaram a intenção de desbloquear este dinheiro.
No Congresso brasileiro, a preocupação é com um pacote de projectos de lei, entre os quais a permissão do garimpo em terras indígenas, demarcação das terras indígenas, autorização do uso de pesticidas e outros produtos agro-tóxicos na agricultura. “Chamamos-lhe ‘pacote da destruição’. É apoiado pelas lideranças políticas do agronegócio, mas essas leis não podem ser aprovadas”, salienta Suely Araújo.
“Há uma que está quase a ser aprovada, que é a nova lei dos agrotóxicos, que é terrível, terrível. A bancada ruralista está a tentar colocá-la para votação o mais rapidamente possível. Há a necessidade de o Governo Lula fazer uma articulação com os políticos dessa área, mas não se podem admitir retrocessos na legislação”, diz a especialista em políticas públicas.
Externamente, diz Suely Araújo, é preciso fazer uma ofensiva diplomática: “Marina e Lula têm que sair pelo mundo captando recursos, para que o Brasil possa fazer tudo o que precisa em política ambiental.”