Ben-Gvir, a extrema-direita encarregada da pasta da Segurança em Israel
O político, que não cumpriu serviço militar por ser demasiado extremista, será uma das figuras mais importantes do novo governo.
É um sintoma de normalização do extremismo que um candidato apareça, descontraído, em programas de cozinha, quando antes apareceu armado, e prestes a sacar da arma, num confronto numa zona palestiniana em Jerusalém? Será um sinal de moderação ter retirado, há um ano, uma fotografia de Baruch Goldstein, que em 1994 matou 29 palestinianos em Hebron, que tinha pendurada em casa? Terá Itamar Ben-Gvir mudado, porque durante a campanha para as eleições de Novembro, enquanto alguns apoiantes gritaram “morte aos árabes”, ele lhes pediu para não o fazerem? Pediu, porque, explicou, apenas quer ver mortos “os terroristas”. Já os árabes em geral, ou os palestinianos que vivem em Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza, Ben-Gvir quer que saiam dali, explica o diário francês Le Monde num perfil sobre o político que chefia o partido que foi o terceiro mais votado em Israel e que, ao que tudo indica, será uma das figuras mais poderosas do novo governo que deverá tomar posse em breve.
Ben-Gvir é o homem do momento. A sua aliança Sionismo Religioso (em que se juntou com o partido do “orgulhoso homofóbico” Bezalel Smotrich) foi essencial para dar ao bloco de Benjamin Netanyahu uma maioria que não conseguia desde 2019, quando foram realizadas as primeiras de cinco eleições de um ciclo que parecia condenado a repetir-se.
Deverá ter atribuído um ministério da Segurança Nacional, em que se inclui autoridade directa sobre a polícia em Israel e nos territórios ocupados, discutindo-se ainda se poderá ter poder de veto sobre legislação a apresentar ao Parlamento, o que parece ter conseguido, apesar das objecções do Likud, o partido de Benjamin Netanyahu.
“Fizemos todos os possíveis para ter um governo totalmente de direita que faça regressar o orgulho ao povo de Israel e apoiar os soldados e a polícia na sua luta importante”, declarou Ben-Gvir esta quinta-feira. O político apoia alterações legislativas para impedir que haja “interferência com os soldados”, pondo potencialmente em risco a acção de todas as organizações não governamentais que filmam acções do Exército nos territórios ocupados ou monitorizam os checkpoints, registando abusos, e ainda para facilitar as regras segundo as quais um soldado pode disparar.
Um dos momentos mais mencionados do jovem activista Ben-Gvir foi quando roubou, em 1995, o símbolo do carro do então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, que tinha assinado um acordo de paz com os palestinianos, declarando que ia chegar a ele (Rabin foi assassinado por um extremista pouco tempo depois).
O Exército recusou-o por ser extremista, e ao longo dos anos foi acusado várias vezes por incitamento ao ódio e condenado em 2007 por apoio a uma organização terrorista, o Kach, partido do rabino Meir Kahane que foi proibido em 1987 e enquanto movimento entrou nas listas de organizações terroristas quer de Israel, quer dos EUA.
“Um espectáculo”
De jovem activista extremista Ben-Gvir passou a advogado de defesa de pessoas como ele e os seus companheiros, como Benzion Gopshtein, líder da organização Lehava – um grupo contra a “assimilação” de judeus, por exemplo, através do casamento de judeus com árabes ou com cristãos, e que tem milícias que os perseguem nas ruas. Num caso, defendeu 21 membros da organização que atacaram uma escola em que crianças judias e árabes estudam juntas.
Também representou em tribunal dois acusados por um ataque em Duma, perto de Nablus, em 2015. Os dois rapazes (um menor, outro de 21 anos) atiraram cocktails Molotov para dentro de uma casa palestiniana, matando um bebé de 18 meses e deixando os pais gravemente feridos (ambos acabaram por morrer).
Artigos na imprensa israelita e internacional tentaram explicar o seu sucesso, em especial entre os jovens. Diz o diário francês Le Monde: “Itamar Ben-Gvir é um espectáculo: desarranjado, engraçado, grosseiro, com o colarinho da camisa e o solidéu branco desalinhados, suor na testa, barba por fazer, cabelo despenteado.” Quando entra numa sala, “os seus olhos procuram constantemente as câmaras”. Seguem-se mais características: é violento, homofóbico, antiliberal e antidemocrático.
Quando perguntaram ao seu “número dois” sobre a preocupação de palestinianos com cidadania israelita (ou árabes israelitas) e pessoas de esquerda com o resultado do partido, e o que tinha para lhes dizer, a resposta foi: “Devem continuar a estar preocupados.”