Peter Pringle, a memória viva dos acontecimentos de Wiriyamu
O primeiro jornalista a comprovar a denúncia dos padres católicos em Tete teve sorte no meio do azar: depois da PIDE o prender, conseguiu ficar com um rolo onde estava a fotografia do sobrevivente.
Leia mais:
- O que se faz com o reconhecimento oficial de Wiriyamu 50 anos depois do massacre?
- Mustafah Dhada: “Ainda estamos prisioneiros do fascismo para acesso aos arquivos” da guerra colonial
- Matos Gomes: “Massacre vem do acumular de tensões no sistema”
- Adrian Hastings, Wiriyamu e o 25 de Abril
Peter Pringle garante ao PÚBLICO que mesmo passados 50 anos, os acontecimentos relacionados com o massacre de Wiriyamu continuam “muito vívidos” na sua cabeça. O então jornalista do Sunday Times foi o primeiro a conseguir comprovar no terreno a denúncia que havia sido feita pelo padre Adrian Hastings no Times.
“Quando o relato dos Padres de Burgos foi publicado pela primeira vez no Times em Julho de 1973, os correspondentes britânicos precipitaram-se para Moçambique para comprovar a história, mas falharam”, explica o jornalista. O repórter do jornal britânico foi mesmo expulso por não ter o visto correcto.
Pringle não foi dos primeiros a chegar, mas seria o primeiro a falar com uma testemunha dos acontecimentos em Tete. O jovem António Mixone, de 15 anos, que conseguira escapar ferido a tiro num ombro do ataque de Chaworha, uma das aldeias atacadas a seguir a Wiriyamu. Registou as suas declarações e fotografou-o.
O jornalista seria, no entanto, preso pelo inspector Sabino da PIDE, então já DGS, que lhe confiscou todas as notas, gravações, máquina fotográfica e rolos fotográficos. No meio do azar, Pringle apanhou o inspector distraído e conseguiu recuperar e esconder um dos rolos, precisamente aquele onde estava a fotografia de Mixone ferido.
Levado para Lourenço Marques e preso no Hotel Polana conseguiu escrever a história da sua detenção e enviou-a para Londres, onde foi publicada no dia seguinte no The Times. Uma atitude que “deixou o Governo furioso em Lisboa”. Foi levado para DGS para mais interrogatórios e falsamente acusado de fotografar instalações militares que ele negou.
Ainda chegou a temer pela vida quando foi interrogado por um branco alto com sotaque sul-africano, que ele desconfiou ser um agente dos serviços secretos do regime do apartheid, conhecidos como BOSS, mas acabaria apenas expulso de Moçambique, com a única prova material do massacre, o rolo de fotografias, escondido no saco da roupa suja.
“Por sorte, o rolo que tirei da secretária do inspector Sabino continha a foto de António Mixone e o Sunday Times publicou-a, junto com a minha história, escrita de memória.”