Ex-namorados usaram AirTags para perseguir mulheres. Apple processada nos EUA
AirTags foram criadas para localizar itens perdidos, como a carteira ou a mala. Queixosas alegam que dispositivo permitiu aos ex-companheiros persegui-las e colocam em causa a sua segurança.
Lauren Hughes tinha acabado de regressar ao hotel, em Outubro de 2021, quando o telemóvel mostrou um alerta que dava conta de uma AirTag na proximidade. Hughes, que se tinha mudado para o hotel após o ex-namorado a ter começado a perseguir, tentou que o dispositivo fizesse barulho para o tentar localizar, mas apenas o ouviu uma vez. Desde que as AirTags foram apresentadas, em Abril de 2021, com a intenção de facilitar o processo de encontrar pertences perdidos – como carteiras e bagagens –, os críticos destacaram a possibilidade de estes dispositivos Bluetooth serem usados por predadores. Mesmo com esses avisos, diz o processo judicial movido contra a empresa, a Apple “avançou negligentemente, descartando preocupação” antes e depois do lançamento desta tecnologia.
Hughes diz ter encontrado o aparelho junto a uma das rodas do carro. Descobrir o aparelho de localização, colorido com um marcador e embrulhado em plástico, deixou-a “aterrorizada”, pode ler-se nos documentos judiciais. Na semana passada, Hughes e uma segunda mulher que se manteve anónima moveram um processo contra a Apple, alegando que a empresa não conseguiu tornar as AirTags “à prova de perseguidores”, apesar das preocupações demonstradas por defensores contra a violência doméstica quando a tecnologia foi lançada em 2021.
O processo, que corre no distrito norte da Califórnia, acusa a Apple de negligência, defeitos de design e violações de privacidade, entre outras alegações. “A senhora Hughes continua a temer pela sua segurança – no mínimo, o seu perseguidor evidenciou um comprometimento em continuar a usar as AirTags para a localizar, assediar e ameaçar, e continua a usá-las para descobrir a sua localização”, pode ler-se no processo judicial.
Um porta-voz da Apple recusou comentar directamente este processo, remetendo para declarações feitas em Fevereiro sobre a “localização indesejada” das AirTags, algo que a companhia diz “condenar nos termos mais fortes possíveis”. A Apple tem agora informação sobre o que deve fazer quando é alertada sobre uma AirTag, na qual se inclui carregar na notificação para ouvir o barulho do aparelho e localizá-lo.
As duas queixosas são vítimas de perseguição e estão a processar a empresa em seu nome e em nome de outros que “tenham sido ou estão sob o risco de serem perseguidos por via deste produto perigoso”, diz a queixa. Hughes, que vive em Travis County, no estado do Texas, diz nos documentos judiciais que o ex-namorado começou a perseguição em Agosto de 2021, depois de acabarem o relacionamento.
A queixa alega que o antigo companheiro fez contas falsas nas redes sociais, publicou mensagens que tinham trocado online e deixou mensagens de voz ameaçadoras. O homem terá deixado ainda um pacote no apartamento de Hughes com fotos dela. Juntamente com essa embalagem, estava uma nota escrita à mão com o primeiro nome de Hughes no topo e esta frase no final: “Fica bem. Isto é um adeus”, mostram as fotografias presentes no processo.
Em Outubro do ano passado, Hughes decidiu viver num hotel até conseguir mudar-se para uma nova casa. Depois de Hughes encontrar a AirTag no carro, o processo diz que os funcionários da loja Apple a que ela recorreu não conseguiram clarificar há quanto tempo o aparelho estava na viatura. Hughes diz no processo que a polícia lhe disse que tudo o que podiam fazer era notificar o ex-namorado.
A segunda queixosa no caso, uma mulher identificada como “Jane Doe”, de Kings County, no estado de Nova Iorque, diz que também foi perseguida por um ex com recurso a uma AirTag. Alega que, depois de um “divórcio contencioso”, o ex-marido começou a perguntar-lhe quando e onde ia com o filho que tiveram em comum.
Encontrou uma AirTag na mochila da criança este Verão e tentou livrar-se dela, mas, muito pouco tempo depois disto, encontrou uma nova na mesma mochila. A mulher não conseguiu confirmar se foi o antigo marido a colocar os dispositivos lá, mas diz no processo que teme pela sua segurança independentemente disso.
O processo procura compensações para as duas queixosas e outras pessoas como elas, bem como uma ordem para impedir a Apple de “prosseguir práticas ilegais, injustas e/ou fraudulentas no que diz respeito ao design, à produção e ao lançamento no mercado das AirTags”.
“Com uma etiqueta de apenas 29 dólares [cerca de 29 euros], tornou-se a arma de eleição dos perseguidores e abusadores”, lê-se na queixa.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post