Rússia tentou recrutar para a guerra o filho do ex-espião Alexander Litvinenko
Anatoly Litvinenko diz que oficiais russos o foram procurar onde não vive desde 2000, desde que fugiu do país com o seu pai, ex-espião russo crítico de Putin que em 2006 foi envenenado por Moscovo.
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Anatoly Litvinenko, filho do ex-espião russo Alexander Litvinenko, assassinado por envenenamento em 2006, revelou este domingo que oficiais russos o foram procurar à morada oficial em Moscovo para que se alistasse no exército. Uma casa em que não vive… há 20 anos, desde que fugiu do país com o pai, opositor de Putin.
Num texto publicado no The Guardian, o homem de 28 anos conta que membros da administração militar russa, em meados de Outubro, bateram à porta de um apartamento em Moscovo que está registado como a sua residência oficial na Rússia.
“Os amigos da família que lá vivem abriram a porta e foram cumprimentados por dois oficiais da administração militar russa, que perguntaram se eu estava em casa. Responderam-lhes que eu não ia a casa há mais de 20 anos”, conta.
Anatoly Litvinenko refere que a convocatória, cerca de um mês depois do anúncio de uma “mobilização parcial”, teve tanto de “confuso como” de “nada surpreendente”.
Por um lado, esperava estar “no topo de qualquer lista de pessoas a ser enviada até ao leste da Ucrânia para ser vir de carne para canhão”, dada a relação pouco saudável entre a sua família e o regime de Moscovo desde que Putin ascendera ao poder.
Por outro, esse mesmo historial leva-o a sentir-se “confuso” com a situação. “Os russos estão bem cientes da nossa história”, refere: Anatoly e a mãe tiveram de fugir do país, juntamente com Alexander Litvinenko, conseguindo asilo político no final de 2000, no Reino Unido, onde o ex-espião viria a sofrer uma “morte lenta e agonizante”, seis anos depois.
“E ainda assim, apesar de tudo isso, a administração militar apareceu a uma morada onde não resido há duas décadas e, com total sinceridade e entusiasmo, procurou levar-me para a frente de combate”, continua.
Anatoly considera que o incidente é indicativo da desorganização russa desde o início da invasão da Ucrânia.
“A confusão [dos oficiais da administração militar] perante a resposta que lhes foi dada (…) demonstra uma completa falta de comunicação e compreensão entre a ideologia bruta do Kremlin e o sofrimento dos seus súbditos cada vez mais ressentidos e relutantes”, refere.
O pai de Anatoly, Alexander Litvinenko, foi um espião que chegou a tenente-coronel do FSB (Serviço de Segurança Federal, herdeiro do KGB da era soviética), onde o seu último chefe foi Vladimir Putin. Depois de abandonar os serviços secretos, escreveu um livro onde acusava o FSB de ter engendrado os atentados contra blocos de apartamentos em várias cidades russas, na altura atribuídos a separatistas tchetchenos e usados, segundo Litvinenko, para justificar a segunda invasão da Tchetchénia, em 1999.
No Reino Unido, onde conseguiu asilo político, colaborou com os serviços secretos britânicos e continuou a ser crítico de Putin e do FSB, denunciando a ligação entre a agência e o crime organizado.
Litvinenko foi internado a 1 de Novembro de 2006 depois de beber chá com polónio-210. Morreu no dia 23 desse mês, aos 43 anos, depois de uma morte que o filho Anatoly descreve como “lente e agonizante pelo que apenas pode ser descrito como uma arma nuclear microscópica”.
A Rússia negou qualquer envolvimento na morte do ex-espião – à semelhança do que tem acontecido ao longo dos anos nos vários casos de envenenamento de opositores do regime russo. Nos seus últimos dias, Alexander Litvinenko acusou o Presidente Russo pela sua iminente morte, e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu em 2021, 15 anos depois, que a Rússia fora “responsável pelo assassínio” do russo.