Koulibaly acredita no destino que o levou a ser capitão do Senegal
O reputado central do Chelsea é uma das figuras maiores de uma selecção que perdeu Mané por lesão, antes do Mundial. Um francês de nascimento que acreditou no sonho africano.
Quis o destino que a bola, no seguimento de um canto, batesse no equatoriano Enner Valencia e fosse ter com Kalidou Koulibaly para, sem oposição, marcar o 2-1 e colocar o Senegal nos oitavos-de-final do Mundial 2022. É, até ao momento o único golo que o defesa central marcou em 66 jogos pela selecção, mas digno de um líder dos campeões africanos que, à última hora, viram a sua estrela, Sadio Mané, ficar de fora da prova, por lesão.
Koulibaly é um dos nove jogadores convocados pelo Senegal a ter nascido em França – de um total de 137 presentes no Mundial que não actuam pelo seu país de nascimento. Nasceu há 31 anos em Saint-Dié-des-Vosges, num bairro de imigrantes tunisinos, turcos, argelinos, senegaleses… E onde, antes de cada jogo entre duas dessas selecções, organizavam um outro com as crianças das respectivas ascendências. Foi aí que Koulibaly começou a sentir a responsabilidade de representar o seu país.
Como aconteceu em 2002, antes do Senegal-Turquia, nos quartos-de-final do Mundial do Japão – 0-1, no prolongamento. “Quando perdemos com os miúdos turcos, parecia que alguém tinha morrido. Estávamos a discutir uns com os outros pelos erros cometidos, estávamos a aguentar as lágrimas, caídos no chão… No nosso mundo, um grupo de miúdos de 11 anos em Saint-Dié-des-Vosges decepcionou toda a nação do Senegal”, recordou num artigo escrito por si, no The Players Tribune.
Koulibaly alternou a formação entre o clube local e o Metz FC, pelo qual se estreou como profissional, antes de se transferir para o Genk, onde actuou por duas épocas e conquistou uma Taça da Bélgica (2012-13). Pelo meio, jogou nos sub-20 de França e foi sempre titular na equipa que ficou em terceiro lugar no Mundial desse escalão, em 2011, depois de perder (0-2) nas meias-finais com Portugal.
Contudo, Koulibaly não hesitou quando, em 2015, Aliou Cissé lhe ligou e lhe disse que precisava da sua ajuda. “Ele acreditou em mim. Então eu tive que acreditar no Senegal”, justificou. E aos que lhe dizem que poderia ter sido campeão do mundo se jogasse pela França, Koulibaly responde: “Talvez, mas acredito no destino. Sempre digo que sou fruto de duas culturas: a francesa e a senegalesa. Tenho muito orgulho em ser francês. Mas, para mim, representar o Senegal tem sido o plano de Deus. Há algo dentro de mim desde 2002, a puxar-me para esse destino.”
Uma braçadeira especial
Mais tarde, o seleccionador escolheu-o para capitão, mas Koulibaly só aceitou após reunir os mais velhos (Idrissa Gana Gueye, Sadio Mané, Édouard Mendy) e eles concordarem. Em Fevereiro, ergueu o primeiro troféu, pela vitória na CAN, frente ao Egipto. Mas não o fez na bancada, onde, sozinho devido às regras da covid-19, recebeu a taça das mãos de Gianni Infantino. Fez questão de descer ao relvado e levantaá-lo com o resto da equipa.
Diante do Equador, Koulibaly envergou uma braçadeira especial, com um 19 desenhado, o número da camisola na selecção senegalesa de Papa Bouba Diop, autor do golo com que o Senegal venceu a França no jogo inaugural de 2002 e cujo segundo aniversário da sua morte coincidiu com o último jogo no Grupo A. É a essas estrelas, antigas ou actuais, como Sadio Mané – que incentiva os compatriotas com mensagens antes de cada jogo –, que os senegaleses vão buscar uma força extra que lhes permite acreditar que podem ganhar, independentemente do adversário. Mas também à experiência de jogadores como Koulibaly, bastante conhecedor de muitos dos adversários que vai defrontar este domingo.
Este Verão, o Chelsea fez a vontade a Thomas Tuchel e gastou 38 milhões de euros para ir buscá-lo ao Nápoles, onde estava há oito épocas. De Itália, Koulibaly trouxe uma Supertaça e uma Taça de Itália, mas também más memórias devido a manifestações racistas que lhe foram dirigidas por parte de adeptos de alguns clubes adversários. Hoje em dia, colabora activamente com a UEFA Anti-Racism Foundation.
Por agora, o pensamento está na passagem do Senegal aos “quartos”, o que seria um feito ainda raro para uma selecção africana. Desde a primeira presença de um representante de África na prova (Egipto, em 1934), somente os Camarões (1990), Senegal (2002) e Gana (2010) chegaram tão longe.
“Desta vez, também temos uma vantagem: estamos habituados a jogar a meio da época, na CAN, com pouco tempo de preparação. Estas condições nós conseguimos gerir e espero bem ficar para os sete encontros”, afirmara Koulibaly no início do Mundial.