Morreu o escritor, ensaísta e tradutor alemão Hans Magnus Enzensberger
“Um dos intelectuais mais influentes e mundialmente conhecidos da Alemanha”, como o classifica a sua editora, foi também um grande divulgador de Fernando Pessoa no espaço germanófono.
O escritor e tradutor alemão Hans Magnus Enzensberger, vencedor do Prémio Príncipe das Astúrias 2002 de Comunicação e Humanidades, e introdutor de Fernando Pessoa no seu país, morreu na quinta-feira, em Munique, aos 93 anos, anunciou a editora Suhrkamp.
“Como poeta, ensaísta, biógrafo, editor e tradutor, foi um dos intelectuais mais influentes e mundialmente conhecidos da Alemanha”, disse a editora.
Responsável pela primeira antologia alemã a incluir Fernando Pessoa, na década de 1960, Enzensberger manteve uma ligação com Portugal que remonta a 1975, e que traduziu em diversos textos, como o ensaio O prazer de ser triste, incluído no volume Europa, Europa (1987).
Ao longo da vida, Enzensberger foi distinguido por diversas vezes, nomeadamente com o Prémio Hugo Jacobi, em 1956, o Prémio da Crítica, em 1962, o Prémio Georg Büchner, em 1963, o Prémio Etna Taormina, em 1967, o Prémio Pasolini, em 1982, e o Prémio Heinrich Boll, em 1985.
Edições em Portugal
Nascido a 11 de Novembro de 1929, na Baviera, serviu no exército alemão entre 1944 e 1945, tendo trabalhado depois como tradutor e barman.
Estudou literatura, línguas e filosofia em Friburgo e Paris e doutorou-se em 1955 com uma tese sobre a teoria poética do escritor romântico Clemens Brentano. Publicou o seu primeiro livro dois anos depois, uma colecção de poemas intitulada Verteidigung der Wölfe ("Defendendo os Lobos”, em tradução livre).
É autor de várias dezenas de obras, entre as quais Perspectivas da Guerra Civil, O diabo dos números, Mausoléu, O homem do terror e 66 poemas, estas editadas em Portugal.
A primeira antologia dos seus textos em português surgiu em 1975, por iniciativa do escritor Almeida Faria, que recolheu o essencial da poesia do escritor alemão, sob o título Poemas Políticos, para as Publicações Dom Quixote.
A edição deste volume trouxe Enzensberger a Portugal, tendo então participado em diversos encontros e sessões de dinamização. Regressaria ao país em 1988, altura em que assistiu a um concerto dedicado a Gustav Mahler que daria origem, dois anos mais tarde, ao poema 4.ª Sinfonia, Coliseu dos Recreios, Lisboa, incluído no volume Zukunftsmusik ("Música do futuro”, em tradução literal). Nele as imagens daquela obra orquestral cruzam-se com o ambiente vaudeville de cervejarias, cabarés e bingos, da Rua das Portas de Santo Antão.
Em 1996, Enzensberger voltou a Lisboa para novos encontros com escritores e público.
Mais recentemente, em 2019, Alberto Pimenta regressou ao universo de Enzensberger recolhendo 66 Poemas, com a chancela das Edições do Saguão.
Entre as traduções de Almeida Faria e Alberto Pimenta, Portugal teve a possibilidade de aceder a uma das mais importantes e referenciadas obras de Enzensberger, Mausoléu - A história do progresso em 37 baladas, com tradução de João Barrento (Livros Cotovia).
Foram ainda publicados em Portugal títulos como Vinte e três poemas, traduzido por Vasco Graça Moura (Oiro do Dia), Perspectivas da guerra civil (seguido de A grande migração, na Relógio D'Água), O homem do terror (Salamandra), O diabo dos números: um livro de cabeceira para todos os que têm medo da matemática e Por onde tens andado, Roberto? (Asa).
Antes, mesmo em tempo de ditadura, a Moraes Editores avançara já o pensamento de Enzensberger em Anatomia social do crime (1968).
O escritor alemão fez igualmente o prefácio que abre a Brevíssima relação da destruição das Índias, do Frei Bartolomeu de Las Casas, na edição da Antígona.
Os ensaios, poemas e romances de Hans Magnus Enzensberger constituem uma forte crítica à burguesia alemã, ao imperialismo americano e ao capitalismo como sistema autofágico.
Para o escritor, a noção de Europa, na sua diversidade e multiplicidade cultural, para além de tratados, comunidades e mercados comuns, constituía uma ideia de uma possibilidade, um derradeiro reduto.
Membro do Grupo 47, tal como como Paul Celan (primeiro tradutor de Pessoa em alemão, em 1956), Günter Grass e outros autores que arriscavam ir além da visão dominante na Alemanha do pós-guerra, editou a revista literária Kursbuch, de 1965 a 1975, e, entre 1980 e 1982, a revista mensal Transatlantik.
Em Fevereiro de 1989, foi um dos 22 jornalistas da Alemanha Ocidental que apelou ao governo de Bona para exercer pressão económica sobre o Irão, no sentido de retirar as ameaças de morte contra Salman Rushdie, autor do romance Versículos Satânicos.
Em 2003, relançou também o testemunho anónimo Uma Mulher em Berlim, que descreve as numerosas violações cometidas por soldados soviéticos, durante a sua tomada da capital alemã, no final da Segunda Guerra Mundial. Esquecido após a sua primeira publicação, em 1954, e recebido de forma glacial na Alemanha, este poderoso testemunho tornou-se um bestseller após a sua republicação.