Kiev aprende a sobreviver sem luz, sem água e sem aquecimento

Capital da Ucrânia enfrenta situação delicada, impensável no resto da Europa, e as temperaturas ainda estão longe de atingir o seu ponto mais baixo. Zelensky e Ocidente falam em “crimes de guerra”.

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Na Kiev às escuras, só as luzes dos carros iluminam a noite SERGEY DOLZHENKO/EPA

Mais de metade da cidade de Kiev acordou nesta quinta-feira sem electricidade e aquecimento, mas o que realmente inquieta Timofii Milovanov neste momento é não haver abastecimento de água. “Temos cobertores, sacos-cama, roupas quentes. Não estou muito preocupado com o aquecimento até as temperaturas descerem abaixo dos – 10º.”

O economista e ex-ministro ucraniano relatou no Twitter como se vive numa capital europeia sem os serviços que todas as outras dão como adquiridos. “Armazenámos cerca de 100 litros de água. Também há neve na nossa varanda que é uma fonte surpreendentemente grande de água”, descreveu Milovanov. “Mas sempre que vou lá buscá-la entra ar frio”, acrescenta. As temperaturas em Kiev estão a rondar os zero graus.

Depois do mais recente ataque de mísseis que a Rússia lançou contra o sistema energético em várias zonas do país, milhões de ucranianos ficaram sem luz, sem água e sem telecomunicações. O governo anunciou que o fornecimento de electricidade tinha sido restabelecido em todas as regiões, sobretudo em infra-estruturas consideradas fundamentais, mas que ainda vai demorar até que aconteça o mesmo nas casas e nas empresas.

Em Kiev, os bombardeamentos de quarta-feira provocaram mortos e feridos, alguns em estado grave, que foram tratados e operados em hospitais com lâmpadas apagadas e torneiras secas. “Nós estávamos preparados, tínhamos armazenado água”, relatou Ievhen Lapshin, médico no hospital regional, mostrando os baldes cheios a uma reportagem do Le Monde.

“Qualquer ataque contra infra-estruturas civis constitui um crime de guerra e não pode ficar impune”, insurgiu-se o Presidente francês, Emmanuel Macron, enquanto a chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, classificou como “intoleráveis” e “crime desumano” os “ataques da Rússia” que visam “mergulhar o povo ucraniano no frio e na escuridão”.

Volodymyr Zelensky seguiu a mesma linha numa intervenção por videoconferência no Conselho de Segurança da ONU, acusando a Rússia de cometer “crimes contra a humanidade”. Mas o porta-voz do Ministério da Defesa russo negou que tenha atacado a capital da Ucrânia. “Nenhuma ofensiva foi lançada em Kiev. Todos os danos na cidade são consequência de mísseis estrangeiros e ucranianos da defesa anti-aérea”, declarou o major Igor Konachenkov.

No seu relato, Timofii Milovanov contou que a rede de telemóvel vai e vem mas que, por ora, ainda há Internet. “Ontem fomos a uma mercearia comprar mais algumas coisas para o caso de haver falhas. Há comida, não há filas. O desafio é pagar”, explicou o economista, porque “a maioria das caixas só aceita dinheiro, apenas algumas aceitam cartões de crédito.”

O governo ucraniano montou mais de 4000 centros a que chamou “estações da invencibilidade”, que são tendas onde a população pode aquecer-se, carregar o telemóvel, ligar-se à internet, obter alimentos e medicamentos. “Lembra-se do cerco de Leninegrado? Eles sobreviveram a isso e nós também conseguiremos”, disse uma residente de Kiev, Angelina Anatolieva, ao The Guardian. “Nós podemos sobreviver a qualquer coisa.”

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