Erdogan promete ordenar uma nova invasão da Síria

Ataques aéreos apresentados como resposta ao atentado de Istambul não vão ficar por aqui, afirma o Presidente da Turquia, enquanto garante que a operação não visa aumentar a sua popularidade.

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Com uma economia de rastos, Erdogan prepara as eleições mais difíceis da sua vida Reuters/G20 MEDIA CENTER

A sete meses das eleições presidenciais que prometem ser as mais difíceis que já disputou, Recep Tayyip Erdogan garantiu esta segunda-feira que os ataques que ordenou nos últimos dias contra os curdos da Síria “não estão limitados a uma campanha aérea”. “Vamos discutir com o Ministério da Defesa e com os chefes militares e decidir até onde é que ponto as nossas forças terrestres têm de contribuir, depois avançaremos”, afirmou aos jornalistas. A nova ofensiva contra as milícias curdas estava nos planos de Erdogan há meses, o pretexto foi o atentado bombista da avenida Istiklal de Istambul, há uma semana – a Turquia responsabilizou os curdos, estes negam qualquer envolvimento.

O Governo turco anunciou domingo que na véspera destruíra 89 alvos em ataques contra bases curdas na Síria, e também no Iraque, lembrando que visou aqueles que culpa pelo ataque de Istambul, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) turco e a milícia síria YPG, que a Turquia diz ser um ramo do PKK. Segundo as Forças Democráticas da Síria (FDS), lideradas pelas YPG, a aviação turca atacou duas aldeias com deslocados internos no Norte da Síria, destruindo armazéns de cereais, uma central eléctrica e um hospital, e matando onze civis.

Desde então, grupos curdos sírios dispararam rockets contra posições do outro lado da fronteira e esta segunda-feira, segundo os turcos, mataram três pessoas, incluindo uma criança e um professor (os projécteis terão atingido uma escola na província de Gaziantep).

O atentado que Ancara disse ter vindo de Kobani, a cidade síria que se tornou símbolo da resistência curda contra o Daesh, fez seis mortos e mais de 80 feridos. Face a este duro golpe, Erdogan quis respostas rápidas e não tardou até as autoridades apresentarem em público uma curda que acusam de ter sido treinada e enviada pelos curdos da Síria.

Durante alguns anos, depois do início da revolta contra Bashar al-Assad, as YPG, que na Síria são as milícias do PYD (Partido da União Democrática), somaram vitórias e conquistaram território ao longo da fronteira, no chamado Rojava, Curdistão sírio ou Curdistão ocidental. Com conselhos de governo estabelecidos pelos PYD, as províncias desta região tinham tribunais, polícias e leis próprias. De caminho, tornaram-se os únicos (entre os diferentes grupos que combatiam o regime) suficientemente organizados para combater o Daesh e ajudar a coligação promovida pelos Estados Unidos para derrotar os terroristas que então aterrorizavam sírios e iraquianos e chegaram a controlar partes consideráveis de território.

Washington e Moscovo

Foi por esta altura, em 2015, que Erdogan declarou enterrado o processo de paz com o PKK, levantou a imunidade dos deputados do HDP (Partido Democrático do Povo, cujos líderes estão hoje presos), a formação pró-curda da Turquia que roubara a maioria no Parlamento ao seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, no poder desde 2002), e começava a bombardear posições curdas, provando que faria tudo para se agarrar ao poder. Para muitos observadores regionais, o objectivo não era a anunciada “guerra ao terrorismo” (sem distinguir jihadistas dos rebeldes independentistas curdos), mas travar a ameaça que via nas YPG, que somavam ganhos militares e viam crescer a sua legitimidade aos olhos dos chamados países ocidentais.

Desde 2016, a Turquia invadiu três vezes a Síria e conquistou centenas de quilómetros de território às YPG no Norte do país onde ameaça voltar a entrar, numa zona onde tanto os EUA como a Rússia têm presença militar. Quando começaram as discussões sobre a adesão da Finlândia e da Suécia à NATO, na sequência da invasão da Ucrânia, alguns analistas previam que a exigência de Erdogan para deixar cair a ameaça de veto seria obter de Washington o “sim” a esta incursão. Segundo Erdogan, para já, nem Washington nem Moscovo foram avisados dos seus planos na Síria.

Entretanto, Ancara diz que a Suécia ainda não fez o suficiente para deixar de apoiar “grupos terroristas” (incluindo políticos curdos, alguns dos quais Erdogan quer ver deportados para a Turquia) e a Finlândia admite que os acontecimentos recentes podem dificultar as negociações de adesão à Aliança Atlântica. “É uma questão que a Turquia vai apresentar e tem todo o direito de o fazer”, afirmou Peeka Haavisto, ministro dos Negócios Estrangeiros finlandês, a respeito do atentado na Istiklal.

A nova ofensiva turca estava anunciada. Com ou sem atentado na mais movimentada avenida de Istambul, mais dia, menos dia, seguramente bem antes das eleições presidenciais e parlamentares de Junho do próximo ano. Erdogan bem pode garantir que os ataques não visam aumentar o apoio ao seu regime a tempo da votação de 2023, mas há um manual de actuação bem conhecido – atacar os curdos quando os índices de popularidade estão em declínio e a economia está uma desgraça faz parte desse manual desde que chegou à política nacional, há 20 anos.

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