Novo estudo mostra alterações no cérebro seis meses após a covid-19

Tem-se vindo a desvendar as consequências que a covid-19 pode ter no cérebro. Foi agora revelado um trabalho que mostra quais as regiões cerebrais potencialmente afectadas.

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Investigação abordou as consequências da covid-19 no cérebro Miguel Manso

Um novo estudo revela alterações no cérebro de doentes seis meses após terem recuperado de covid-19. Essas modificações estão ligadas a áreas cerebrais ligadas à fadiga, depressão ou problemas cognitivos. Já outros estudos têm vindo a alertar para estas mudanças relacionadas com a doença provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Desta vez, os resultados foram divulgados num comunicado da Sociedade Radiológica da América do Norte e serão apresentados no encontro da sociedade na próxima semana.

Quais as consequências que a covid-19 deixa? Esta tem sido uma das grandes questões da investigação relacionada com o SARS-CoV-2. Afinal, entre 10 e 20% dos doentes com covid-19 ficam com sintomas após a infecção, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde. Os sintomas vão desde a fadiga, a dificuldade em respirar, passando pela disfunção cognitiva, indo até problemas de sono, ansiedade, depressão ou dificuldades de concentração.

Uma equipa liderada por Bharat Biswal, investigador da Escola Médica de New Jersey, nos Estados Unidos, tem sido um dos grupos interessados em analisar os efeitos da covid-19 no cérebro. No caso da equipa de New Jersey, usou-se uma técnica de imagem de ressonância magnética que quantifica certos materiais, como o ferro e o cálcio, tornando-se magnetizados num campo magnético aplicado, explica-se no comunicado. Designado “imagem ponderada em susceptibilidade”, esse método é usado para se detectar e monitorizar doenças neurológicas como malformações vasculares, tumores cerebrais ou pequenas hemorragias cerebrais.

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Alterações no cérebro de doentes que tiveram covid-19 vistas através de imagem ponderada em susceptibilidade Sapna S. Mishra/RSNA

Essa técnica foi aplicada em 46 doentes que tinham recuperado da covid-19 há seis meses. Os seus principais sintomas eram febre, fadiga, perda de cheiro ou paladar, dificuldade em dormir, falta de atenção ou problemas de memória. Entre os participantes, 18 foram hospitalizados e tiveram uma forma grave de covid-19.

Como forma de comparação, também se usou o mesmo método em outras 30 pessoas saudáveis. Todas os participantes do estudo vivem na Índia.

Resultados: os doentes que tinham tido covid-19 tinham “valores de susceptibilidade significativamente mais altos” no lobo frontal do cérebro do que as pessoas saudáveis. Os valores de susceptibilidade da técnica usada indicam a presença de quantidades acima da média de materiais como ferro ou cálcio. As principais diferenças nesses valores nos dois grupos foram observadas na substância branca do lobo frontal. Essa região do cérebro pode estar ligada a fadiga, a insónias, a ansiedade, depressão e problemas cognitivos.

As diferenças entre os dois grupos foram ainda notórias na parte direita do diencéfalo, que está entre os hemisférios cerebrais. Essa região está associada a certas funções do corpo, como a coordenação do sistema endócrino com a libertação de hormonas ou a libertação de sinais sensoriais e motores ao córtex cerebral.

Pode-se generalizar?

Há já alguns estudos publicados sobre as alterações que a covid-19 pode deixar no cérebro. Este estudo acaba por ser mais um alerta e dar mais algumas pistas. “Este estudo aponta para complicações graves a longo prazo que podem ser causadas pelo coronavírus, mesmo meses depois da recuperação da infecção”, nota Sapna S. Mishra, investigadora do Instituto Indiano de Tecnologia de Deli, na Índia, que também participou no estudo. “Os resultados apresentados são de uma pequena janela temporal, mas a investigação ao longo dos anos irá elucidar-nos se existirá qualquer mudança duradoura.”

Bharat Biswal assinala ao PÚBLICO que os resultados aqui obtidos devem ser alvo de mais investigações. Mas diz que se dá no seu estudo um grande passo: “Os resultados do trabalho fornecem-nos informação sobre quais as regiões cerebrais que podem ser afectadas pela covid-19.” O artigo científico com os resultados deste estudo está a ser revisto neste momento.

Quanto ao valor da amostra e se se justifica as conclusões, Bharat Biswal considera que se fez com os quase 80 participantes uma “análise poderosa” e que espera que os resultados possam ser generalizáveis. “O tamanho da amostra é suficiente para tirarmos as conclusões apresentadas no estudo.”

Mesmo assim, nos próximos tempos, a equipa quer aumentar o número da amostra e incluir novas questões na sua abordagem. Também querem continuar a seguir outros temas ligados à covid-19.

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