A União Europeia considera que as negociações na Cimeira do Clima das Nações Unidas em Sharm el-Sheikh, no Egipto, não estão bem encaminhadas. “Tem de ficar claro que mais vale não termos nenhuma decisão do que uma má decisão”, disse aos jornalistas neste sábado Frans Timmermans, vice-presidente executivo da Comissão Europeia e líder da missão da UE na COP27.
A proposta de declaração final proposta pela presidência egípcia, ouvindo as opiniões dos cerca de 200 países presentes, resulta num recuo em relação ao que foi decidido noutras cimeiras. “Não menciona a necessidade de se continuar a lutar por 1,5 graus [de aquecimento global máximo] e, mais directamente, não fomenta a consideração de contribuições nacionalmente determinadas mais ambiciosas”, explicou Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, que está presente em Sharm el-Sheikh.
“Para a UE é essencial manter a meta dos 1,5 graus [estabelecida no Acordo de Paris]. Temos de garantir que as conclusões e ambições [de Sharm el-Sheikh] vão além das de Glasgow [a COP26, no ano passado]”, afirmou aos jornalistas Frans Timmermans, para explicar a posição europeia.
“Estamos preocupados com algumas das coisas que ouvimos nas últimas 12 horas, que podem indicar que vamos recuar na ambição, que podem indicar que o fundo [para as perdas e danos causadas por desastres naturais relacionados com as alterações climáticas proposto pela UE, que está em negociação] não terá uma base alargada de contribuintes financeiros”, avançou Timmermans.
Essa posição é defendida por outros líderes, como Chris Bowen, o ministro das Alterações Climáticas australiano: “A posição da Austrália é clara e forte: não pode haver nenhum recuo a partir de Glasgow e o texto tem de ser reforçado onde for possível”, afirmou, citado pela Reuters.
“Temos de andar para a frente, não para trás. Todos os ministros [da União Europeia] estão preparados para se irem embora se não alcançarmos um resultado que faça justiça e que seja aquilo de que o mundo está à espera – nomeadamente que façamos algo em relação à crise climática”, disse Frans Timmermans.
O presidente da COP27, o ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio, Sameh Shoukry, deu uma conferência de imprensa já esta manhã em que pediu aos países que “estejam à altura” do que está em discussão, num momento em que a cimeira já está tempo extra (devia ter terminado na sexta-feira). Reconheceu que havia pessoas “insatisfeitas”, mas pediu às nações determinação para se chegar a um acordo. “O texto [de rascunho] mantém os 1,5 vivos”, assegurou.
Braço-de-ferro nos fundos
Uma das principais discussões está relacionada com a ideia de criar um fundo para apoiar os países mais vulneráveis às alterações climáticas, que estão já a braços com desastres naturais agravados pela mudança do clima, como cheias, secas e tempestades.
O grupo dos países menos desenvolvidos, denominado G77+China, que inclui 134 nações, fez deste tema um cavalo de batalha na COP27: quer que daqui saia uma decisão sobre um fundo pago pelos países mais ricos, que historicamente emitiram mais gases de estufa para a atmosfera, para apoiar os Estados mais necessitados.
A União Europeia propôs um fundo para financiar as perdas e danos das nações mais vulneráveis aos efeitos climáticos, mas continua sem acordo. “Dissemos que podíamos aceitar um fundo, mas que deveria ser dirigido aos países mais vulneráveis. E que a base de contribuintes financeiros para esse fundo devia ser alargada, com base na análise da economia de 2022”, disse Timmermans.
Quer isto dizer que não se use como referente o mundo tal como era em 1992, quando foi estabelecida a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, em que a China e a Índia, hoje grandes emissores, foram classificadas entre as nações em desenvolvimento. A China, apesar de ter manifestado solidariedade com a ideia deste fundo para as perdas e danos, não se voluntariou a oferecer financiamento algum.
“Temos tido discussões construtivas com os Estados Unidos e a China”, disse Timmermans. Sobre a aproximação ou não destes países nas negociações, o comissário europeu foi parco em detalhes. “Não precisamos de convencer os EUA sobre a necessidade de manter o objectivo dos 1,5 graus”, avançou.
“Mas temos de convencer todos os nossos parceiros de que para este fundo funcionar, tem de ser dirigido aos países mais vulneráveis e alargada a base financeira. Acho que o mundo não ficaria bem servido com mais um fundo igual aos que já existem”, afirmou Timmermans.
Há ainda uma clara dificuldade em definir quais poderiam ser esses Estados mais vulneráveis – é dado o exemplo em Sharm el-Sheikh de que se forem apenas os menos desenvolvidos, países como o Paquistão, que está a braços com umas cheias colossais, ficaria de fora desses apoios. “Não se deixem enganar pelos que dizem que é impossível definir o que é um país vulnerável. É algo que um grupo de trabalho podia elaborar nos próximos meses”, assegurou o vice-presidente executivo da Comissão Europeia.
“Temos de ser rápidos, mas não podemos ir a correr para um mau resultado. Nem apressar-nos a aceitar algo que depois passaremos anos a arrepender-nos – que todos os anos vamos dizer ‘se pelo menos tivéssemos resistido em Sharm el-Sheikh para ter algo que realmente apoiasse as pessoas mais vulneráveis no planeta”, comentou ainda Eamon Ryan, ministro do Ambiente irlandês.