Incitamento ao ódio “não pode existir” na polícia, diz sindicalista. GNR apela à denúncia de casos
Nos últimos anos foram aplicadas 11 penas disciplinares relacionadas com casos de racismo e xenofobia.
A GNR apelou, nesta quinta-feira, à denúncia de casos de discriminação e xenofobia entre os seus elementos, na sequência da reportagem sobre o assunto elaborada por um consórcio de jornalistas, e garante que tem desenvolvido diversas acções contra este problema.
Numa reportagem da responsabilidade de um consórcio de jornalistas, divulgada nesta quarta-feira por vários órgãos de comunicação social foram mostrados conteúdos e frases de conteúdo discriminatório, xenófobo e racista publicadas em redes sociais fechadas, atribuídos a elementos da PSP e da GNR, um caso que já levou a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) a anunciar a abertura de um inquérito.
Numa nota emitida ao início da manhã desta quinta-feira, a GNR diz que tem em funcionamento um Plano de Prevenção de Manifestações de Discriminação nas Forças e Serviços de Segurança (PPMDFSS) e que, frequentemente, realiza acções e iniciativas, “à luz das coordenações mantidas em sede do grupo de trabalho constituído ao abrigo deste plano” e que tem representantes do Ministério da Administração Interna, das forças e serviços de segurança, sob coordenação da IGAI.
Segundo a GNR, foram ainda aplicadas “medidas correctivas” a todo o dispositivo, nomeadamente a difusão de normas internas sobre boas práticas no âmbito da prevenção da discriminação, assim como o investimento na formação e na qualificação dos militares da GNR nestas matérias.
Como exemplo da preocupação relativamente a estas questões, aponta a criação da Comissão para a Igualdade de Género e Não Discriminação na Guarda (CIGUARDA), a nomeação de uma Oficial de Direitos Humanos e as boas práticas “incutidas ao nível da comunicação institucional quer interna que externa para as questões de género e discriminação”.
“Perante comportamentos dos seus militares que não se enquadrem com os direitos previstos constitucionalmente, contrários à lei e/ou que configurem uma violação dos deveres deontológicos”, a GNR diz que “age através da comunicação às autoridades competentes, nos termos da lei, e/ou disciplinarmente” e apela à denúncia destes casos.
"Racismo é transversal"
Para o presidente da Associação de Profissionais da Guarda, César Nogueira, defende que agora é o tempo de “deixar que as instituições responsáveis façam o seu trabalho de investigação e de inquérito” a propósito das mensagens de ódio postas a circular por elementos da Guarda Nacional Republicana e PSP, que foram expostas numa reportagem divulgada nesta quinta-feira.
Na sequência deste trabalho de investigação, o ministro da Administração Interna determinou à Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) “a abertura de inquérito, imediato, para apuramento da veracidade dos indícios contidos nas notícias de hoje [quarta-feira] sobre a alegada publicação, por agentes das forças de segurança, de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório, incitadoras de ódio e violência contra determinadas pessoas”, refere-se numa nota do gabinete de José Luís Carneiro enviada às redacções.
“Claro que nos preocupa qualquer forma de incitamento ao ódio e à violência, que não pode existir numa força de segurança”, comentou ao PÚBLICO César Nogueira, precisando que o facto de não poder existir não significa que “não exista”. “O racismo é transversal a toda a sociedade”, refere.
Como estas mensagens são veiculadas através de redes sociais fechadas, é preciso que existam “denúncias” para que sejam detectadas. “Todos os casos detectados deverão ser comunicados ao Ministério Público e os elementos envolvidos serão chamados à responsabilidade seja por via de processos disciplinares e/0u de processos-crime”, frisa César Nogueira.
Um consórcio de jornalistas de investigação divulgou na quarta-feira uma reportagem de Pedro Coelho, Filipe Teles, Cláudia Marques Santos e Paulo Pena, na SIC, no Setenta e Quatro, no Expresso e no PÚBLICO, que mostra que as redes sociais são usadas para fazer o que a lei e os regulamentos internos proíbem, com base em mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos.
No trabalho são apresentados diversos casos de publicações com teor racista, xenófobo e discriminatório. Segundo a investigação, todos os agentes e militares da PSP e da GNR que escreveram as frases em causa nas redes sociais estão no activo.
A PSP também já anunciou que vai participar às autoridades judiciais os indícios revelados nesta reportagem. Já o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, Paulo Santos, afirmou estranhar o contexto em que foi divulgada a reportagem sobre frases discriminatórias atribuídas às forças de seguranças, mas diz que vai aguardar pelo resultado dos inquéritos entretanto abertos.
“Achamos estranho o contexto em que esta peça foi divulgada, sendo facto que já foi gravada há um tempo a esta parte e quando estamos a falar de um contexto em que temos uma manifestação marcada para dia 24 e acabámos ontem à noite [quarta] uma reunião com o senhor ministro relativamente à tabela salarial”, sublinhou.
PSP com mais casos disciplinares
Segundo dados revelados pelo Expresso e confirmados pelo PÚBLICO junto do MAI, nos últimos anos foram expulsos dois agentes das forças de segurança devido a situações relacionadas com racismo e xenofobia: um era da GNR, o outro da PSP.
A Polícia de Segurança Pública é a força onde mais penas foram aplicadas. No período entre 2019 e 2020 registaram-se, para além do caso de expulsão, três penas de suspensão de cinco, 15 e 30 dias. E dias penas de multa. No caso da GNR, além da expulsão de um militar, registou-se, entre 2018 e 2022, uma suspensão por 45 dias a que se juntou “uma pena acessória de transferência compulsiva por um período de quatro anos” e uma repreensão escrita agravada.
No Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) está contabilizado apenas um procedimento disciplinar cuja tramitação se encontra suspensa, “a aguardar a decisão do tribunal.
Nas três forças de segurança estão ainda pendentes vários procedimentos disciplinares: nove na PSP e outros tantos no SEF, enquanto a GNR remeteu à IGAI processos “relativos no total, a 17 arguidos militares” da Guarda. É neste grupo que se incluí o militar expulso, que esteve envolvido em agressões a imigrantes.