O perfil do quiet quitter

Reconhece que labor é muito mais do que “vestir a camisola” — é cumprir as suas funções por excelência, equilibrando esse objectivo com outros, de natureza pessoal e transversal.

Foto
Rich Tervet/Unsplash

Quiet quitting é o novo termo usado para designar as pessoas que cumprem as funções estabelecidas no seu contrato de trabalho, por norma, nem mais, nem menos. O termo originou várias interpretações, um pouco por todo o mundo, traduzindo-as, maioritariamente, no conceito que caracteriza aqueles que “não vestem a camisola” ou “fazem o mínimo indispensável”.

Ainda que esta interpretação sirva esmagadoramente os interesses de quem ao termo associa o ócio, a desmotivação e a ausência de coleguismo (ou não fosse a tradução da expressão anglófona “demissão silenciosa"), ela assume, simultaneamente, outros significados. Farei uma tentativa de levantamento de alguns deles, ao retratar o potencial perfil do quiet quitter.

Quiet quitter é aquele que cumpre o horário como estipulado – sai do emprego à hora, porque também chega à hora a que deve chegar, não se atrasa. É aquele que se confunde com os anti-sociais, não porque seja especialmente inapto ao convívio, mas porque entente que o tempo destinado ao trabalho deve ser aplicado dessa forma – trabalhando.

Quiet quitter é aquele cujo eixo da “prioridade vs. urgência” se desdobra em quadrantes, de tal forma que tem a perfeita noção do que é para fazer no “agora” e daquilo que pode esperar – é organizado. É aquele que está disposto em abdicar do seu tempo pelo bem maior, mas não se deslumbra com golpes de ilusionismo – sabe distinguir o inadiável da usurpação e, por isso, conhece e acarinha os seus direitos.

Quiet quitter não é déspota, não é dotado de competências de bastidores – faz o que tem de ser feito, com pragmatismo e sem ardil. Valoriza o tempo, pelo que não o gasta com a concorrência interna – está seguro do seu contributo, não procura reconhecimento. É silencioso, mas não se demite – não é demonstrativo, histriónico ou exuberante, por isso é considerado estranho.

Quiet quitter é apenso a rótulos de vária ordem, tanto não seja porque é igual a si próprio e reconhece que labor é muito mais do que “vestir a camisola” — é cumprir as suas funções por excelência, equilibrando esse objectivo com outros, de natureza pessoal e transversal.

A contínua globalização e capitalização do mercado de trabalho pode ter reinventado os significados da cultura organizacional e, em última análise, o conceito do que é ser-se bom ou mau empregado. Mas o perfil do quiet quitter dispensa rótulos – é um trabalhador leal ao conceito de trabalho e às suas balizas – no fundo, assume com linearidade aquilo que lhe compete, sem prejuízo de responder à complexidade do que as suas funções lhe exigem. Cumpre. Será esta uma demissão silenciosa, ou será o novo normal uma imposição ruidosa?

Sugerir correcção
Ler 3 comentários