Millie Jacobs: “O luto por um animal é tão único como as nossas impressões digitais”
Em O Luto por um Animal de Estimação, Millie Jacobs fala da perda do cão Jake para ajudar quem está a passar pelo mesmo. Cada luto é diferente, mas, garante, pode ser ultrapassado.
Para muitos, perder um animal de estimação é tão doloroso como perder uma pessoa. Para outros, não é tão grave assim. Millie Jacobs, pseudónimo da escritora e terapeuta do luto, pertence ao primeiro grupo. Lida com a perda de animais de estimação desde criança e conta que até se habituou à dor. Mas isso não significa que seja mais fácil.
Quando Jake, o cão com quem viveu durante 14 anos, morreu, “a vida parecia sem sentido, sem esperança e desprovida de luz”, revela nas primeiras páginas de O Luto por um Animal de Estimação. O lançamento deste livro, o primeiro que assina enquanto Millie Jacobs, foi o pretexto para uma conversa telefónica com esta autora, cuja identidade permanece um mistério, sobre as diferenças entre perder uma pessoa e um animal e se o tempo e todos os conselhos do mundo ajudam a ultrapassar completamente a dor.
“[Este livro] é sobre alguém que diz algo que eu adoraria ouvir quando passei pela perda, é sentirmos que estamos a ser compreendidos e que essa pessoa não é a única no mundo a passar por isto”, explica. O livro, publicado pela Asa, chegou às livrarias portuguesas em Setembro. Ajudar quem perdeu um animal de estimação é um dos objectivos, mas Millie deixa ainda dicas sobre o que dizer a quem está a passar por esta experiência. Cada pessoa reage de maneira diferente à dor, destaca, e isso deve ser respeitado.
Nas primeiras páginas de O Luto por um Animal de Estimação, começa por contar o momento em que perdeu o seu cão Jake. Teria sido capaz de escrever este livro se ele não tivesse morrido?
Sim, conseguiria, por causa do meu trabalho enquanto terapeuta do luto. Mas acho que, quando passamos por alguma perda, isso muda a forma como falamos sobre o luto. Acredito que, até passarmos por isso, é muito difícil comunicarmos sobre a profundidade da dor e os sentimentos dessa experiência. O facto de ter perdido vários animais de estimação desde que era criança fez com que me habituasse à dor. Eu sei que são animais, mas é como perder um membro da nossa família. Isto cria um vínculo e só através da perda é que podemos compreender isso.
Também fala sobre a sua caminhada de luto durante as primeiras semanas sem o Jake. Ser terapeuta ajudou-a ou não conseguiu pôr em prática o que diz aos seus pacientes?
É uma boa questão. Ser terapeuta do luto ajudou, porque conheço os mecanismos da dor e também sei que aquele tempo difícil não vai durar para sempre. Agora, será que removeu alguma dor? Claro que não. Permitiu que eu passasse mais rapidamente por ela? De forma alguma. Os mecanismos da dor são um processo com vários passos que ninguém consegue contornar, por muito que tente, mas permitem que a pessoa conheça as etapas do luto e acredite que vai sobreviver. Ter um elemento de esperança ajuda, mas não vamos conseguir ultrapassar isso rapidamente.
Escrever o livro foi o seu elemento de esperança para superar esta perda?
Não. Os meus livros não são um mecanismo para mim ou mesmo para a minha família ultrapassar a dor. Não se trata de criar um legado, trata-se de o livro ser aquela mão que ajuda as pessoas que estão a passar por algo tão doloroso. Para mim, é sobre alguém que diz algo que eu adoraria ouvir quando passei pela perda, é sentirmos que estamos a ser compreendidos e que essa pessoa não é a única no mundo a passar por isto. O luto é uma experiência solitária. Queremos saber se os outros sentiram o mesmo e que os sentimentos pelos quais estamos a passar não fazem de nós loucos. Não se trata do meu luto. Trata-se de querer ajudar aqueles que acabaram de passar por uma perda e que não têm qualquer esperança de um dia melhor.
No livro, diz que o luto por um animal pode ser igual à perda de uma pessoa. Além de ajudar quem passou por isto, este livro é também um alerta para quem não o entende?
Somos todos afectados de formas muito diferentes. Para alguns, é exactamente o mesmo que perder uma pessoa, para outros, é muito menos e, para outros, pode até ser pior. As histórias contadas no livro de várias pessoas que perderam animais de estimação mostram isso. O luto por um animal torna-se tão único como as nossas impressões digitais. Só precisamos de reconhecer que o luto é diferente para cada um.
A maioria das pessoas do livro que acabam por ter outro animal depois de o outro morrer deixa claro que o novo animal não substitui o anterior. A Millie faz o mesmo no início do livro, quando revela que resgatou uma cadela depois de o Jake ter morrido. Porquê esta necessidade de se justificarem?
Não sei se é uma necessidade de se justificarem. Para a maioria, é sobre partilhar com os outros que têm espaço na sua casa e no seu coração para um novo animal de estimação. Arranjar outro animal não substitui o que morreu, mas, para as pessoas que adoram animais, é quase impossível pensarem em viver sem esse companheiro. No meu caso, quando o Jake morreu, fomos buscar uma cadela, mas não foi para o substituir. Sentimos que foi como uma homenagem ao Jake. Íamos amar outro animal e dar-lhe a vida que também lhe demos a ele.
Apesar de não substituir, ter outro animal elimina um pouco a dor ou o que se sentia pelo que morreu?
Não. É o mesmo que perder uma pessoa. Os humanos não podem ser substituídos, os animais de estimação também não. O que um novo animal de estimação faz é dar à pessoa uma razão de viver, especialmente se ela viver sozinha. Mas também há quem não ache boa ideia ter outro animal, porque tem medo de passar outra vez pela perda. Depois de perdermos o Jake, tivemos uma cadela chamada Mills. Quando ela morreu, não nos sentimos capazes de ter outro animal de estimação, porque, além de estarmos sempre a viajar em trabalho, pensámos que não conseguiríamos passar novamente pela perda. Já se passaram oito anos.
No livro, diz que “há um tempo para nascer e um tempo para morrer”. Também há um tempo para ultrapassar totalmente o luto?
O luto é uma longa viagem. Se alguém perder um animal de estimação ou uma pessoa, o luto vai parecer muito diferente daqui a dez anos. No início, a dor é tão grande, que faz com que uma divisão pareça pequena. Dez anos depois, o luto não fica mais pequeno, mas a divisão fica maior. Digo sempre que, à medida que as pessoas processam o luto, ele torna-se mais forte e mais fácil de ultrapassar. No início, eu chorava, agora sorrio para agradecer o privilégio de ter cuidado dos meus cães. Isso não significa que não sinta dor, porque sinto, mas não é como antes.
Também partilha conselhos para lidar com a dor, como passar pelos sítios de que o animal gostava, e um guia sobre como superar o primeiro mês de luto. Seguiu algum deles?
Sim, segui todos eles. São os mecanismos naturais para processar a perda e devemos reconhecê-la em vez de fugirmos dela. Existe uma pressão na sociedade que diz que precisamos de fingir que está tudo bem quando não está, e isso não ajuda a pessoa. Quando reconhecemos a dor, os nossos cérebros têm a capacidade de processar a pior coisa que aconteceu: uma pessoa ou um animal morreu.
Quando fala sobre estes conselhos, salienta que as pessoas reagem ao luto de diversas formas: raiva, choque, negação. Todos estes sentimentos são normais ou há algum que pode ser indício de uma depressão?
Há um clássico equívoco sobre o luto que diz que todas as pessoas passam da fase um para a dois e depois para a três – o choque, a negação e a raiva –, mas os estudos mostram que não é assim que os seres humanos processam a perda. Muitas dessas emoções vão ser sentidas, mas pode não ser por esta ordem. Há pessoas que passam da primeira fase para a terceira e depois vão para segunda.
As histórias do livro são um caleidoscópio de emoções. A perda de um animal de estimação pode ser quase um vulcão em erupção. Em cada uma destas histórias, as pessoas falam do trauma de, por exemplo, terem perdido um filho e depois o animal. Isto parece ser o último prego no caixão. Se alguém está a sofrer de depressão ou de outros problemas de saúde mental, todas estas coisas têm um efeito.
Também dedica um capítulo sobre como explicar o luto por um animal às crianças. Porque é que é tão importante dizer a verdade, ou seja, que o animal morreu, em vez de algo mais suave como “não acordou"?
Com crianças, o que é interessante é que os adultos sentem que devem protegê-las, mas elas conseguem lidar com a verdade. Não precisamos de lhes esconder a morte, porque elas são capazes de lidar com a perda e processá-la. É claro que temos de ter cuidado com as palavras, mas, se lhes dissermos a verdade, evitamos que tenham medo de outras coisas. Por exemplo, se a pessoa disser ao filho que o cão adormeceu e não acordou e se, no futuro, tiver outro animal, a criança pode ter medo de que aconteça o mesmo. Se explicarmos que há um tempo para viver e para morrer, estamos a dar-lhes factos.
E os adultos podem preparar-se para a perda?
É interessante, não é? Se perguntarmos a quem recebeu um diagnóstico terminal sobre uma pessoa ou um animal, elas vão dizer que se estão a tentar preparar, mas, emocionalmente, elas não o podem fazer até perderem essa pessoa ou animal. O choque é menor quando estamos cientes de que essa perda vai acontecer em breve, mas não nos podemos preparar para ela.
No livro, também destaca que, quando um animal morre, o dono não tem direito a dias em casa e que não há funeral ou campa. “Temos de lidar com o facto como se nada tivesse acontecido”, diz. Esta foi a forma que encontrou para dizer que é preciso mudar isso?
Não sei se é algo que precisamos de mudar, mas acho que é algo que precisamos de estar conscientes. As pessoas podem mudar isso, podem criar uma sepultura para visitarem o animal de estimação se sentirem necessidade de o fazer. É importante para nós percebermos as diferenças entre perder uma pessoa e perder um animal, não porque há uma hierarquia da dor ou porque perder um é pior, mas porque precisamos reconhecer que estas coisas não são dadas a quem perde um animal. Não se fazem funerais para animais de estimação e isso faz com que as pessoas se sintam sozinhas e pensem que a sociedade não reconhece isto como uma perda relevante. Como eu disse, nenhuma perda é pior do que outra. São diferentes.