Fundão, a nossa terra aos pés da Gardunha
“É a nossa serra: o casario do Fundão começa no sopé do monte de São Brás, tão verdejante que as primas de Lisboa diziam termos um postal na janela. E tínhamos mesmo.” Por Maria Goreti Catorze.
Nem sempre as fugas dos leitores se fazem para grandes cidades ou destinos turísticos afamados. Está cada vez mais em voga passar férias em locais calmos mesmo sem uma ligação pessoal ou familiar a esses sítios. Razões? Como diria o Camané, parafraseando um dos nomes mais felizes em álbuns da música portuguesa: porque aqui está-se sossegado.
Há umas décadas, ia-se passar uns dias à terra, mais tarde uma campanha publicitária apelava ao «vá para fora cá dentro». Recentemente chegou o turismo de habitação, turismo rural, guia das praias fluviais (onde antes havia ribeiras), destinos de natureza, de aventura, etc. A língua, como o mundo e a vida, evoluem a uma velocidade vertiginosa.
Não escolho nenhuma destas definições para mim em relação ao Fundão porque no meu caso vou simplesmente passar férias a casa, ao sítio onde cresci. Também é bom, estarão alguns a pensar. É, mas está acessível a todos, porque o concelho é grande, acolhedor, tem variados alojamentos quer em quintas, unidades hoteleiras ou campismo. Resumindo, é uma cidade aberta, embora eu a sinta sempre como uma vila, pois não tem a dimensão geográfica ou populacional de Lisboa, Madrid ou Paris. Acrescento que gosto do conceito e da palavra vila, que remete para esse “estar-se sossegado”.
Cidade é, geralmente, sinónimo de bulício. O facto é que em 1988 foi elevada à categoria de cidade juntamente com a Marinha Grande, Vila Real de Santo António e Montemor-o-Novo, cidades geminadas com o Fundão, quando essa mudança de estatuto era vista pelas populações como uma importante conquista. Lembro-me desse tempo: no posto de turismo de Vila Real de Santo António, a funcionária acompanhou-nos à porta, despedindo-se com acenos emocionados de “adeus, meus queridos amigos”, só porque éramos fundanenses, unidos por essa cidadania recíproca de fresca data.
Voltando ao Fundão: é uma localidade do interior, não direi profundo porque está situado num planalto, embora de pouca altitude, quase uma planície, a Cova da Beira, área vasta a perder de vista emoldurada pelas serras da Estrela a norte, a Gardunha a sul, o Açor a oeste e a Malcata a este. Se por aqui passarem podem contemplar no fim da tarde o magnífico pôr do Sol sobre a serra do Açor (isto enquanto as novas urbanizações não o taparem completamente...).
A serra da Gardunha é a nossa serra: o casario do Fundão começa no sopé do monte de São Brás, tão verdejante que as primas de Lisboa diziam termos um postal na janela. E tínhamos mesmo, porque há um postal antigo do Fundão que o mostra esplendoroso com os únicos três edifícios que existiam na época na entrada sul da N18: a Estalagem da Neve, o Castelo, e o Magistério primário.
Ainda lá encontram os dois primeiros, rodeados de prédios mas com o glamour decadente dos antigos palacetes. Da serra da Gardunha sopra uma brisa morna nos entardeceres quentes de Verão. Se tiverem forças para subir o declive acentuado do monte de São Brás encontram a mítica pedra d'Hera, uma varanda sobre esta paisagem extraordinária da Cova da Beira e das suas serras, entendendo-se a vista até Espanha para lá dos montes gémeos de Monsanto e Penha Garcia.
No Verão não há cerejas mas há maçãs Bravo de Esmolfe, melancia, pêssegos e a outra fruta que nos deixa na boca o inconfundível sabor do campo. O Fundão já foi conhecido pelas tílias frondosas (até tem um parque com o mesmo nome, Bagão Félix refere-o no livro Trinta árvores em discurso directo) onde pernoitavam milhares de pássaros, mas as podas recentes deixaram-lhes os ramos de tal forma desfolhados que as pobres aves debandaram dali procurando abrigo em poisos mais aconchegantes.
Digo isto para evitar que algum visitante incauto passe pelo Fundão e me acuse de descrever só maravilhas, ar puro e ecossistemas preservados quando na verdade a natureza vai sofrendo os seus revezes. Um último conselho: se vierem conhecer as Beiras tragam o Guia de Portugal, de Raul Proença, e a Viagem a Portugal, de José Saramago, e leiam-nos com atenção. Nessas companhias ilustres conhecer Portugal valerá ainda mais a pena.
Maria Goreti Catorze