Tim Burton sentiu-se como Dumbo, preso no circo, e por isso não quererá trabalhar mais com a Disney

O realizador foi homenageado no fim-de-semana no Festival Lumière, em Lyon, e equiparou-se à personagem do pequeno elefante no último filme que fez para o estúdio, que lamenta que esteja mais focado nos franchises como Star Wars ou Marvel.

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Tim Burton em 2010 no Festival de Cannes Reuters/VINCENT KESSLER

O cineasta Tim Burton disse no sábado, no Festival Lumière em Lyon, que Dumbo (2019) foi provavelmente o seu último filme com a Disney, estúdio que não poupou nas críticas: “Percebi que eu era Dumbo, que estava a trabalhar num grande circo horrendo e que precisava de fugir.”

A relação de Burton, o autor de filmes já clássicos como O Estranho Mundo de Jack, Eduardo Mãos de Tesoura (1990), Marte Ataca! (1996) ou Ed Wood (1994), com a Disney é longa. Foi lá que começou a sua carreira, como animador, na década de 1980, e foi lá que foi tendo e desfazendo projectos. “A minha história [com o estúdio] é que comecei lá. Fui contratado e despedido várias vezes ao longo da minha carreira”, explicou quando recebia o Prémio Lumière, que no passado já foi entregue a Clint Eastwood, Francis Ford Coppola, Quentin Tarantino, Martin Scorsese, irmãos Dardenne, Jane Fonda ou Jane Campion.

Na 14.ª edição do Festival Lumière de Lyon, onde era homenageado, explicou que fora o trabalho que tem em curso para a Netflix, um spin-off de A Família Adams sob a forma de série de oito episódios centrado na jovem Wednesday, não tem outros projectos em mãos — para ele, a Netflix é hoje “um estúdio como qualquer outro”. Mas deixou claro que o seu futuro dificilmente passará pela gigante Disney.

“Tornou-se [um estúdio] muito homogeneizado, muito consolidado. Há menos espaço para coisas diferentes”, disse, frisando, citado pela agência de notícias AFP ou pelo site Deadline, que nunca faria um filme Marvel, ao contrário de outros seus correligionários temáticos, como Sam Raimi. “Só consigo lidar com um universo, não consigo lidar com um multi-universo”, afirmou, aludindo à actual fase da exploração cinemática dos comics e heróis da Marvel feita pela Disney, passada no Multiverso.

Nesse contexto, já em pleno fulgor quando trabalhava no seu remake de Dumbo, percebeu que os seus “dias na Disney acabaram”. Via-se como o pequeno elefante de orelhas grandes, aprisionado. “Aquele filme é bastante autobiográfico, a um certo nível.”

Burton vive em Londres e está perplexo com o momento político que o Reino Unido atravessa. Perante uma plateia entusiástica, Burton, que só quer que o próximo filme lhe “faça mesmo sentido”, não foi talvez confrontado com os momentos menos gloriosos da sua carreira de 35 anos — que existiram, em filmes menos elogiados e bem recebidos como Sombras da Escuridão (2012), Olhos Grandes (2014) ou A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares (2016), e mesmo Dumbo.

Falou sim da sua relação com os seus filmes. “Não vejo os meus filmes. Foi estranho ver os clips [da montagem retrospectiva que o festival fez para a entrega do prémio]. Fiquei bastante emocionado. Parece que cada filme que fazemos é parte da nossa vida e é muito profundo e significativo. Por isso é como ver a minha vida a passar-me diante dos olhos — é por isso que comparo [o prémio] a um funeral porque, de uma forma bela, captura momentos da nossa vida”.

O Festival Lumière é dirigido pelo mesmo líder do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, que é também director do Institut Lumière de Lyon, que conserva o legado dos pioneiros do cinema e irmãos, Auguste e Louis Lumière.

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