Activistas climáticos temem que o Egipto os tente silenciar na COP27

O clima de repressão que se vive no país africano e o facto de Sharm el-Sheikh ser uma cidade de dificílimo acesso preocupam os activistas. Provavelmente, será muito complicado colocar “as perguntas verdadeiramente difíceis que têm de ser feitas”.

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Sharm el-Sheikh encontra-se cercada pelo mar de um lado e por um muro de betão e arame do outro SAYED SHEASHA/Reuters

A decisão de realizar a Cimeira do Clima de 2022 (COP27) num resort turístico altamente vigiado no Egipto, aliada às restrições que limitam o acesso ao evento, está a restringir aquela que será a participação da sociedade civil na conferência, queixam-se alguns activistas.

O evento, que decorrerá entre os dias 6 e 18 de Novembro em Sharm el-Sheikh, será a primeira COP a acontecer após o relaxamento das restrições pandémicas. Os activistas encaram a cimeira como um evento crucial para falar dos efeitos adversos das alterações climáticas e pressionar os governos a agir para desenvolver estratégias robustas de mitigação.

Mas os representantes destes grupos admitem que protestar como protestaram em países que acolheram edições anteriores da COP será um desafio no Egipto, onde as manifestações públicas são proibidas e o clima de forte repressão à dissidência política vem a dificultar muito a intervenção dos activistas.

No que diz respeito às acreditações que dão acesso à cimeira, as restrições que limitam a sua cedência a activistas (sobretudo activistas de países mais pobres) também já geraram discussão em anos anteriores.

O Egipto, que tem apenas uma organização não-governamental (ONG) que receba acreditações todos os anos, diz que a inclusão da sociedade civil deve ser vista como prioritária — e ajudou a colocar mais ONG, incluindo 35 grupos egípcios, “dentro” da COP27, através de uma admissão de um ano que é válida somente para a cimeira.

Este foi um passo positivo, mas o processo não foi anunciado publicamente e, como tal, não deu a algumas ONG uma oportunidade justa para “concorrer” e tentar conseguir uma acreditação, afirma Hossam Bahgat, conhecido activista egípcio.

O responsável pela Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais (EIPR, na sigla inglesa) diz que, por causa deste procedimento, “a lista de organizações credenciadas não inclui uma única organização [egípcia] de direitos humanos”. De fora ficam também os “grupos independentes” que trabalham no campo da justiça climática e ambiental.

Por escrito, a presidência da COP afirma que o processo de selecção foi “totalmente transparente”, tendo merecido aprovação por parte da Organização das Nações Unidas (ONU). Sublinha também que foram consultadas organizações regionais e equipas nacionais de negociação.

As ONG egípcias foram recomendadas (e posteriormente escolhidas) com base na sua experiência e no seu nível de conhecimento do tema das alterações climáticas, acrescentou a presidência da COP.

Outra preocupação entre activistas prende-se com a dificuldade que os cidadãos poderão sentir para entrar em Sharm el-Sheikh. Se, de um lado, a cidade está cercada pelo mar, do outro há uma barreira de betão e arame no deserto.​

Ela é acessível somente por via aérea — ou então por estradas que estão cheias de postos de controlo. Estas estradas vão para Norte em direcção ao Canal de Suez e ao Sinai do Norte. Aqui, as forças de segurança egípcias têm montado uma campanha que visa combater movimentos de insurgência política.

Para quem não tiver acreditações que concedam acesso à COP27, será “praticamente impossível” entrar na cidade durante os dias da cimeira, diz Hossam Bahgat.

Quartos baratos — para 400 jovens

Além da questão do acesso a Sharm el-Sheikh, há a questão financeira. Algumas pessoas que não residem no Egipto acabaram por esquecer a ideia de ir à COP devido aos preços dos hotéis, que no início do ano chegaram a rondar as centenas de dólares por noite.

Após pressões por parte da sociedade civil, o Governo do Egipto negociou um tecto de 120 dólares (121,59 euros) por noite para hotéis de duas estrelas. Nas últimas semanas, foram também anunciadas algumas opções de alojamento mais baratas.

Tais opções incluíam quartos para 400 jovens, a preços na ordem dos 30 a 40 dólares (30,38 a 40,51 euros) por noite. Teoricamente, estes quartos são para ajudar grupos africanos a superar obstáculos antigos para aceder à cimeira, diz Omnia el-Omrani, que na COP27 trabalhará como representante da juventude.

Omar Elmawi, activista queniano e membro do COP27 Coalition — movimento de grupos africanos e árabes que pretendem garantir que a justiça climática está no centro do debate (e que as vozes das pessoas mais afectadas pelas alterações climáticas serão ouvidas na cimeira) —, disse que, para ele, a oferta de alojamento mais barato tardou a chegar.

“Ainda estamos, em África, com este grande problema de acesso”, afirmou, citando como barreiras não só os custos de voos e hotéis, mas também a incerteza relativamente às emissões dos passaportes. Numa cimeira altamente controlada, poderia ainda ser um desafio colocar “as perguntas verdadeiramente difíceis que têm de ser feitas”, acrescentou.

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Presidência da COP27 diz que "protestos pacíficos" serão bem-vindos durante a cimeira, mas terão de ser comunicados "o mais rápido possível" MOLLY DARLINGTON/Reuters

As autoridades egípcias dizem que os preços dos hotéis são movidos por forças do mercado. Afirmam também que protestos pacíficos serão bem-vindos durante a cimeira, sendo que serão criados espaços próprios para eles serem levados a cabo.

A presidência da COP27 afirmou estar a fazer os possíveis para garantir que esses espaços, que idealmente estarão apetrechados com todos os serviços, incluindo água potável e zonas sombreadas”, tinham visibilidade e ficavam “nas proximidades da cimeira”. Disse também que quem quiser organizar um protesto deve contactar “as autoridades competentes o mais rápido possível”.

Mas um grupo de especialistas independentes, nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, sublinhou este mês que pressões exercidas anteriormente sobre ONG e activistas criaram um “clima de medo”. Este grupo pediu ao Egipto que garanta uma participação segura e significativa da sociedade civil na COP27.

Doze grupos de direitos humanos que olham muito para a realidade egípcia assinaram uma petição no âmbito da qual pedem ao país anfitrião da COP27 que aborde as restrições à sociedade civil. “Uma acção climática eficaz não é possível sem um espaço cívico aberto”, argumentam.