Atenção à hora. Não é só o que comemos que entra nas contas da obesidade

É a confirmação de que as refeições devem estar alinhadas com o período activo do nosso dia. O risco de obesidade agrava-se quando isso não acontece, já que há uma menor capacidade de “queimar” a energia dos alimentos.

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Além das calorias e da quantidade de comida, também devemos estar atentos à hora das refeições Duarte Drago

As panaceias para a obesidade são muitas e há dietas para todos os gostos. Ainda assim, a resposta pode ser bem mais simples. Fazer refeições à hora errada é um dos aspectos mais destacados pela investigação científica nos últimos anos – por exemplo, comer antes de ir dormir, quando não vamos gastar essas calorias, contribui para a obesidade. Agora, além de confirmarmos que a restrição alimentar nas horas de pouca actividade reduz o risco de obesidade, também conhecemos melhor porquê – pelo menos em ratinhos.

Numa equação simples, a obesidade surge quando a energia que ingerimos excede a energia que gastamos. Ora, isto liga directamente a nossa alimentação às horas em que estamos mais activos.

E tem uma explicação genética. Praticamente todas as células do nosso corpo acompanham o ciclo circadiano – os ciclos de cerca de 24 horas que regulam os ritmos de dormir e de comer, por exemplo, e aos quais chamamos “relógio biológico”. Este relógio tem um ponto central no cérebro, directamente ligado à presença de luz que recebemos através dos olhos, e que se sincroniza com outros pequenos relógios que estão presentes em praticamente todas as células do nosso corpo.

É por isso que as alterações do ciclo circadiano, como trabalhar por turnos, jet lag, privação de sono ou saltar refeições, podem facilitar o desenvolvimento de obesidade.

Seguir o caminho certo

O que não conhecíamos eram os mecanismos que ajudam a explicar esta relação entre o ciclo circadiano e a obesidade. Num estudo realizado em ratinhos, e publicado agora na revista científica Science, os animais que comeram durante a fase mais activa do ciclo circadiano (no caso dos ratinhos é durante a noite, ao contrário dos humanos) queimaram mais calorias a partir da termogénese, reduzindo o risco de desenvolver obesidade.

Confirmando isso, a equipa liderada por Chelsea Hepler e Joseph Bass, ambos da Universidade de Northwestern (Estados Unidos), procurou encontrar as chaves deste processo. “Quando comemos, alguma da energia dos alimentos é dissipada, em vez de ficar armazenada. E é dissipada através do calor”, explica Joseph Bass ao PÚBLICO em relação ao conceito de termogénese.

Neste estudo descreve-se aquele que é o “caminho dominante” para dissipar esta energia – o ciclo da creatina, como refere Joseph Bass. No trabalho publicado na Science mostra-se que há um aumento na presença de aminoácidos essenciais (como a creatina) que é paralelo ao gasto de energia. No fundo, o ciclo circadiano determina também a maior ou menor presença destes aminoácidos, contribuindo, em conjunto, para a perda de peso.

A termogénese dos adipócitos corresponde à energia perdida como calor, através do metabolismo dos nutrientes, nas células que armazenam gordura (os adipócitos) – no fundo, este é o caminho certo para gastar mais energia.

Será que isto confirma então a ideia recorrente de que não devemos comer tanto à noite, porque não iremos gastar essa energia? “Sim, confirma”, responde Joseph Bass. É importante notar que o relógio começa a contar quando acordamos – e, portanto, podemos ter ciclos circadianos distintos , mas este alinhamento entre as horas e a alimentação pode ser essencial em futuras orientações nutricionais.

Algo que o neurocientista e geneticista Joseph Takahashi já destacava ao PÚBLICO em Abril deste ano: “O meu laboratório descobriu recentemente que a hora a que comemos – para um rato – pode prolongar de forma significativa o tempo de vida. Uma diferença de 10% para 35% de aumento de esperança de vida só ao mudar o tempo e o padrão da forma como a comida é consumida.”

No novo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, apresentado no último domingo, a Direcção-Geral da Saúde dava conta das projecções do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) para 2030 em Portugal: “Do total de óbitos projectados, a percentagem atribuível a erros alimentares será de 13,84% e a atribuível ao excesso de peso e obesidade será de 11,99%, ultrapassando o tabagismo, cuja percentagem projectada de óbitos atribuível será de 11,07%.”

Uma vantagem para o metabolismo

Há uma nota que Joseph Bass deixa à partida: “Não é só sobre a perda de peso, é sobre saúde metabólica.” O investigador norte-americano explica que mesmo quem tem excesso de peso pode proteger-se mais se tiver em conta os ciclos circadianos – ou simplesmente ter em atenção aquilo que são os períodos do dia em que mais gasta energia.

“É importante evitarmos prolongar o período de alimentação muito depois do nosso tempo activo. Por exemplo, as pessoas que fazem uma dieta mediterrânea têm uma tendência para comer mais à noite”, atenta, elencando o exemplo português e espanhol.

Mas este nem é o principal problema. “Isto é mais preocupante quando juntamos fritos e fast food a ciclos irregulares. E [este desalinhamento] é um dos factores que podem estar relacionados com o aumento das doenças metabólicas”, diz.

Cautelas sobre o tipo de dieta

Há dietas para todos os gostos, mas este trabalho não nos dá esclarecimentos sobre isso. É um dos primeiros pontos que esclarece. Apesar de a investigação usar o termo “restrição alimentar”, não é uma apologia a dietas como o jejum intermitente. “É uma comparação que devemos evitar”, refere Joseph Bass. E, claro, há outras peças em jogo nesta balança, como a quantidade de calorias ingeridas ou o tipo de alimentos.

Damien Lagarde e Lawrence Kazak, investigadores da Universidade McGil, em Montreal (Canadá), num comentário sobre este estudo também publicado na Science, apesar de reforçarem que a restrição alimentar pode ser uma abordagem promissora, mostram também cautelas na transposição destes resultados para humanos. Os benefícios de fazermos as refeições durante o período mais activo, como sugere o estudo agora publicado, podem, no entanto, dever-se a outros factores, como a ingestão de poucas calorias ou mesmo a dieta que cada pessoa faz, alertam os dois investigadores no comentário.

E ainda há mais questões para responder. Joseph Bass destaca uma. Lembram-se do “relógio biológico central” no nosso cérebro? “Ainda não entendemos como esse relógio comunica com o relógio da alimentação”, aponta. Esse é um dos passos seguintes na jornada desta equipa para descortinar como podemos melhorar o metabolismo e evitar a obesidade.

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