As flores à beira do pântano de Lucrecia Martel abrem os 20 anos do Doclisboa

Festival de cinema documental apresenta uma curta-metragem da autora de Zama e O Pântano na abertura oficial. Até dia 16, a programação de aniversário toma a Culturgest, a Cinemateca e os cinemas Ideal e São Jorge.

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Terminal Norte, de Lucrecia Martel, terá estreia comercial depois de terminado o festival DR

Por muito que haja uma sessão de abertura oficial – esta noite no São Jorge, às 21h, “quebrando” a tendência de inaugurar o festival na Culturgest - a verdade é que os 20 anos do Doclisboa acabam por não ter uma mas múltiplas sessões de abertura durante o dia de quinta-feira, 6 de Outubro. A dificuldade está na escolha: os novos filmes de mestres como James Benning (The United States of America, Culturgest, 21h30) ou Frederick Wiseman (Un Couple, Ideal, 22h)? O arranque da retrospectiva A Questão Colonial com Mortu Nega de Flora Gomes (Cinemateca Portuguesa, 15h30), em presença do próprio, ou La Noire de… de Ousmane Sembène (Cinemateca, 19h)? Ou ainda o clássico do cinema que é Terra, de Oleksandr Dovzhenko, complementado pela curta de 2022 Liturgy of Anti-Tank Obstacles de Dmytro Sukholytkyy-Sobchuk, numa sessão que propõe uma reflexão sobre a Ucrânia de ontem e hoje (Ideal, 18h30).

Para resolver o problema da escolha: todas estas sessões terão repetição mais à frente na programação do Doclisboa, que se prolonga até dia 16 de Outubro, e qualquer um deles faria uma excelente abertura oficial para o festival (como o seriam, por exemplo, qualquer dos filmes sobre Jean-Luc Godard a quem esta edição é dedicada). A opção da organização recaiu, contudo, sobre um outro título, Terminal Norte de Lucrecia Martel, 37 minutos rodados em 2020, durante a pandemia de covid-19.

Esta curta – complementada por uma actuação da cantora Lula Pena – acaba por ser um “exorcismo” do ano em que o coronavírus virou o mundo de pantanas, e uma celebração da resistência e da resiliência que serve igualmente como retrato de uma comunidade improvisada rodado em Salta, a província natal da realizadora. Se quiséssemos, poderíamos chamar-lhe um olhar sobre “flores à beira do Pântano” – reconhecemos nele a humidade e a natureza do mítico primeiro filme de Martel.

Mas as mulheres que a autora de Zama aqui filma, num documentário musical e claramente pensado em termos de encenação, são “mulheres com cabeça”: artistas, cantoras, pianistas e poetas que vão dos ritmos modernos do trap e das experimentações sónicas do noise-rock às coplas populares acompanhadas a um tambor de mão. Martel mantém-se atenta aos corpos, às vozes, aos olhos destas mulheres que, reunidas em noites de conversa e música, parecem exorcizar e transfigurar gerações de força e dor, e reivindicam uma liberdade que transcende gavetas e classificações fáceis.

Terminal Norte – que merecerá estreia comercial após o encerramento do Doclisboa – inscreve-se abertamente na linhagem do cinema telúrico, táctil, da cineasta argentina, mas é evidentemente um compasso de espera numa carreira até aqui notável.

Para aqueles que já puseram de parte tempo para acompanhar o festival, fica desde já o aviso que o primeiro fim-de semana – entendido entre sexta, 7, e segunda, 10 – concentrará as primeiras exibições dos 12 títulos que compõem a Competição Portuguesa e dos 12 filmes escalados para a Competição Internacional, bem como o arranque na Cinemateca da retrospectiva dedicada ao brasileiro Carlos Reichenbach (com a exibição, sexta, às 15h30, da sua primeira longa “oficial”, Lilian M. Relatório Confidencial, de 1975).

Também durante este primeiro fim-de-semana serão mostrados Mr Landsbergis, documentário-fleuve do bielorusso Sergei Loznitsa (Donbass, Funeral de Estado) dedicado ao político que guiou a independência da Lituânia, Vytautas Landsbergis (sessão única no São Jorge às 16h45 de sábado, 8), e O Que Podem as Palavras, olhar de Luísa Marinho e Luísa Sequeira sobre as Novas Cartas Portuguesas (sessão única na Culturgest, às 16h30 de domingo, 9).

Os horários e programas para todo o fim-de-semana podem ser consultados no site oficial do festival.

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