Cinco anos depois dos primeiros ataques em Cabo Delgado, deslocados continuam com medo
As autoridades dão a estrutura da insurreição como debelada, mas nos últimos meses voltaram as investidas perto de Meruge e na província de Nampula. O receio aumentou novamente, trazendo à luz os traumas de quem assistiu à mais crua forma de insurreição no Norte de Moçambique
“Agora, o terrorista está em todo lado”, lamenta à Lusa Abdul Arlindo, chefe adjunto do centro de acolhimento de Metuge, um dos principais locais a acolher os deslocados que nos últimos anos fugiram da violência na província moçambicana de Cabo Delgado
Um receio que persiste e uma percepção que contrastam com a confiança crescente das autoridades, que destacam nunca mais ter havido ataques de grande escala como em Palma, em Março de 2021, e que realçam o apoio externo que reforçou as tropas do país. O Governo de Maputo e as forças de segurança consideram que a estrutura dos jihadistas está debelada e pedem “vigilância” para os grupos rebeldes que restam, dispersos e em fuga, atacando aldeias por onde passam no resto da província – deixando marcas, patentes nos lamentos de Abdul.
No dia 05 de Outubro completam-se cinco anos sobre o primeiro ataque, contras unidades de polícia em Mocímboa da Praia. Era o princípio de um conflito que alastraria pela província e que em 2021 acabaria por suspender os projectos de gás de que o país depende em boa parte para relançar a economia.
São cinco anos de crueldade cravados nos rostos e memórias de milhares de deslocados em Metuge, povoação à beira da baía de Pemba, a capital provincial, que está do lado oposto, a dez quilómetros de barco ou 40 quilómetros, contornando o mar, por estrada.
Abdul Arlindo, 35 anos de idade, está entre as mais de 30 mil pessoas que ali procuraram refúgio devido às incursões armadas, na pobreza, obrigados a viver dependentes de apoios. “A nossa vida resume-se a ficar à espera de apoios”, conta à Lusa Bibiana Simão, 44 anos, que diz nunca ter perdido a vontade de voltar para a sua região de origem, no distrito de Quissanga, de onde fugiu em 2020.
As autoridades dizem que as populações de Palma e Mocímboa da Praia, as localidades mais importantes junto aos projectos de gás, podem regressar e que os serviços públicos vão sendo retomados.
No entanto, em simultâneo, é a reconquista que reorienta a movimentação dos rebeldes: desde Junho intensificaram os ataques no Sul da província de Cabo Delgado, mais perto de Metuge, e na vizinha província de Nampula. “Eles ainda não entraram directamente na sede de Metuge”, mas são os principais suspeitos de mortes violentas em terrenos circundantes, durante os últimos meses.
O medo espalha-se por terras onde as populações têm os seus campos agrícolas.
“Nós estamos cansados dos terroristas”, declarou à Lusa Ricardo Mendes, 43 anos, outro deslocado acolhido em Metuge. “A vida está a melhorar, mas com dificuldades”, refere, reconhecendo o trabalho das tropas no terreno.
Mas com o registo de novos ataques, o receio aumentou novamente, trazendo à luz os traumas de quem assistiu à mais crua forma de insurreição no norte de Moçambique. “Parece que eles estão cada vez mais próximos daqui”, lamenta Ricardo Mendes.
O receio de novos ataques e a fome que afecta a maior parte das famílias acolhidas em Metuge reforçam em muitos a vontade de voltar para casa.
“Na nossa comunidade, nós costumávamos variar a alimentação […], aqui comemos todos os dias a mesma coisa, arroz e feijão”, queixa-se Graça João, outra deslocada.
Há mais de um ano que as Nações Unidas alertam para um grave subfinanciamento das suas agências em Cabo Delgado, sendo obrigadas a racionar apoios alimentares e outros, para que as ajudas durem mais tempo.
O distrito costeiro tem sido, a par de Pemba, um dos mais sobrecarregados com deslocados em busca de segurança durante os cinco anos de violência.
De acordo com a Organização Internacional da Migração, há cerca de 800.000 deslocados internos devido ao conflito, que fez 4000 mortes, segundo o projecto de registo de conflitos, ACLED.