Um cão que adora caixas. Um gato que adora meias. Porque é que os animais de estimação são tão estranhos?

Bella adora caixas da Amazon. Little Bit é obcecada por meias. Os animais de estimação têm comportamentos estranhos que nem sempre significam o que os humanos acreditam ser. Investigadores dizem que lambidelas dos cães não são beijos – e que, afinal, os gatos atacam as cabeças dos donos por amor.

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Porque é que os animais de estimação são tão estranhos? Erda Estremera/Unsplash
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Porque é que os animais de estimação são tão estranhos? Manja Vitolic

A beagle Bella adora caixas da Amazon. Rasga-as sempre, mas ignora as outras encomendas. (O fundador da Amazon, Jeff Bezos, é proprietário do The Washington Post, mas nunca conheceu a cadela).

A gata Little Bit, que morreu recentemente, era igualmente obcecada – mas por meias. Atacava o cesto da roupa suja a meio da noite e as malas abertas das pessoas da casa, que invariavelmente se encontravam com uma meia a menos pela manhã.

Os animais de estimação fazem coisas esquisitas. Pelo menos é o que parece para os humanos. Mas estas características fazem muitas vezes todo o sentido para os animais, dizem os cientistas que estudam o comportamento animal. As atitudes são frequentemente uma encarnação moderna das suas raízes, e também se baseiam na sua ligação actual com os humanos.

“Estes comportamentos não são inventados em determinado momento”, explica Carlo Siracusa, professor de medicina do comportamento clínico na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia. “Eles são uma evolução do comportamento dos seus antepassados que foram adaptados às suas novas vidas de animais domesticados, agora que estão a viver com humanos.”

Ainda assim, os cães também podem aprender com os humanos, tal como as crianças aprendem com os adultos – na verdade, muitas vezes, aprendem ainda melhor do que as crianças. “Se mostrarmos às crianças como fazer algo e lhes dermos passos desnecessários, as crianças vão copiá-los”, garante Angie Johnston, directora do Centro Canino de Cognição e Laboratório de Aprendizagem Social do Boston College. “Mas quando os cães descobrem como o fazer, param os passos desnecessários. Os cães descobrem mais depressa do que as crianças qual é o final do jogo.”

Mesmo assim, os antigos instintos persistem. Os cães, por exemplo, muitas vezes “fazem as camas” – como descrevem os humanos – raspando cobertores, lençóis ou as camas onde dormem, para depois se virarem algumas vezes antes de se instalarem, um hábito que provavelmente vem de um antigo instinto para criar um lugar seguro e quente para dormir.

“Pense onde é que os animais dormem na natureza”, diz Evan MacLean, director do Centro de Cognição Canina da Universidade do Arizona. “Eles raspam uma área antes de se deitarem nela.”

Às vezes também andam às voltas antes de fazerem cocó, algo que alguns investigadores atribuem a uma tentativa de alinhamento com o campo magnético da Terra, especificamente com o eixo Norte-Sul. Mas nem todos os cientistas estão convencidos disto. “Ainda não está claro o que se passa aqui”, adianta Sarah-Elizabeth Byosiere, directora do Thinking Dog Center no Hunter College. “Têm de ser feitos mais estudos [para o descobrir].”

Por vezes, os cães batem com as patas no chão depois de fazerem cocó. (Uma dica: esperar alguns segundos antes de te abaixares para apanhar os resíduos para evitar ser atingido por detritos voadores).

Contudo, eles não estão a enterrar as fezes. “Estão a depositar cheiro nessas áreas”, diz MacLean, o que pode explicar o cuidado em escolher um local. “Eles estão à procura do melhor lugar na cidade para colocar um cartaz. Querem um bom lugar para fazer publicidade. O raspar cria um distúrbio no solo, para chamar a atenção. É quase como desenhar um quadro com um grande marcador vermelho à volta.”

O cartaz destina-se a outros cães, outra peculiaridade que herdaram dos lobos, acrescenta o investigador. “A marcação do território é muito provavelmente uma função desta comunicação, mas há outras informações que podem ser codificadas em odores que não compreendemos bem enquanto humanos. Por exemplo, os animais podem ser capazes de perceber coisas como o estado reprodutivo ou de saúde de outros indivíduos com base no odor.”

Os gatos, por outro lado, enterram quase sempre os seus resíduos. “Estão a cobrir os rastos”, diz Monique Udell, directora do Laboratório de Interacção Humano-Animal da Universidade do Oregon. “Esta poderia ser a versão moderna de manter um perfil discreto.”

Porque é que o teu gato te “amassa” com as patas?

Mikel Delgado, fundador da Feline Minds, um serviço de consultoria de comportamento dos gatos na cidade de Sacramento, explica que algumas destas características derivam das origens selvagens dos gatos.

“Os gatos são predadores, naturalmente activos ao amanhecer e ao anoitecer, estão no meio da cadeia alimentar – tanto são caçadores como podem ser caçados – e têm alguns comportamentos que são naturais, como o arranhar, e não podemos treiná-los para não fazerem isso”, acrescenta.

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Os gatos "amassam" os humanos quando se sentem relaxados Zakaria Zayane/Unsplash

Os especialistas também insistem que a reputação dos gatos como socialmente desinteressados não é merecida. Eles têm glândulas de cheiro facial e quando atacam a cabeça do seu dono estão provavelmente a depositar secreções para marcar os seus parceiros sociais, diz Kristyn Vitale, professora de saúde e comportamento animal na Unity College.

O gesto de bater com as patas uma de cada vez (também conhecido como “amassar") é o que os gatos bebés fazem às mães quando estão a ser amamentados para estimular a produção de leite. Os gatos adultos podem “amassar” os humanos quando se sentem relaxados ou quando tentam acalmar-se. (Outro conselho: mantém as unhas do animal aparadas). “É como quando os bebés chucham no dedo”, diz Udell.

Lambidelas dos cães não são beijos

Enquanto os cães partilham muitos comportamentos herdados dos lobos, também desenvolveram alguns próprios, como os “olhos de cachorrinho”, o olhar inocente a que os humanos não conseguem resistir.

“Eles querem estar ligados a nós”, salienta Jeffrey Stevens, director do Laboratório de Cognição Canina e Interacção Humana da Universidade de Nebraska-Lincoln. “Os cães desenvolveram certos músculos em torno dos olhos para manipular os humanos. Eles olham para nós desta forma, e isso muda o nosso comportamento.”

Tal como os lobos, os cães também gostam de lamber caras. Os humanos pensam que o animal de estimação lhes está a dar beijos. Na verdade, não está.

“É a forma como as crias de lobos obtêm comida da boca dos pais”, revela MacLean. “Também pode ser um sinal de submissão.” Quando alguém de nível inferior se aproxima de uma pessoa de nível superior, desce muito baixo e lambe o dominante para dizer: “Eu não sou uma ameaça para ti”.

Contudo, há comportamentos que os investigadores não conseguem explicar, tais como os zoomies, o termo frequentemente utilizado para descrever o movimento frenético e aparentemente aleatório de um cão, provavelmente para libertar energia.

“A minha cadela corre em círculos maníacos loucos com a boca aberta, a língua para fora, as orelhas para trás e o rabo retraído, e se eu me meter com ela nesse momento, ela fica ainda mais hiperactiva”, revela Byosiere. “Está a tirar algo do sistema e não consegue concentrar-se até que o faça.” Mas temos zero ciência sobre isto.

Um dos três cães de Johnston “faz sapateado”, revela. “Quando fica excitado, bate com as patas da frente, depois salta e rodopia em círculo no ar. Ele faz isto quando está entusiasmado ou feliz. Não sei de onde vem.”

O cheiro pode ser um grande motivador

Quanto a Bella, a cadela que preferia as caixas da Amazon em vez de todas as outras, a explicação parece ser a sua grande aptidão para farejar os aperitivos que estas continham: cheirava as barras de proteína que estavam dentro. Depois de as ter rasgado, comia quase todas, excepto aquelas que escondia atrás das almofadas do sofá para emergências.

“Ela era muito exigente com isso”, afirma Jeffrey Levi, professor de gestão e política de saúde na Universidade George Washington e uma das pessoas que se relaciona com Bella. “Ela nunca come os invólucros.”

Little Bit, a gata viciada em meias, também era aparentemente motivada pelo cheiro. “Muitos animais andam com meias e sapatos. Os humanos produzem cheiros na base dos pés, por isso, se quiser aproximar-se do seu dono, não há nada como uma meia com bom cheiro”, diz Udell.

Isto parece fazer sentido para Cathy Miller, a companheira humana de Little Bit e praticante de acupunctura no estado de Boulder, no Colorado. Miller chegou a ter de avisar hóspedes “para fecharem as suas malas à noite”. “Ficámos contentes pelo fascínio não ser com cuecas.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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