Ensinar sustentabilidade: receita procura-se
A palavra tornou-se mainstream, a prática ainda é uma vanguarda. Empresas e alunos pedem mudanças e as escolas continuam à procura da receita certa.
Como ensinar sustentabilidade? A pergunta não sai da cabeça de Rosário Moreira, directora académica do MBA executivo e do MBA Digital da Porto Business School (PBS). “Não se consegue ensinar ética numa cadeira. Talvez não se consiga ensinar sustentabilidade numa sala. Mas há muito que podemos fazer, dentro e fora da sala, por um tema que estamos a levar muito a sério.”
A integração da sustentabilidade no currículo básico das escolas de negócio, sobretudo no MBA — que para todos os efeitos continua a ser a “estrela” da companhia — é importante por três razões. Longas décadas a insistir na identificação dos factores que afectam custos e receitas tornou os programas de finanças empresariais insensíveis a outras condicionantes do negócio. Resultado: carradas de gestores que sabem de cor o top line (receitas) e o bottom line (resultado líquido) dos negócios, sabem conjugar sustentabilidade com verbos no imperativo, mas não conseguem passar do discurso à prática, porque não tiveram treino.
Cientes disso, as escolas de negócio portuguesas já integram o tema da sustentabilidade nos currículos. É um fenómeno recente. Em 2015 ainda havia MBA portugueses cotados em termos internacionais em que o tema era pouco mais do que uma linha de rodapé. Hoje já não é assim. Esses mesmos MBA têm cadeiras específicas e incorporam a sustentabilidade em áreas-chave do programa de aprendizagem, como as finanças, a gestão e o marketing.
“Como o tema se tornou transversal, é impossível terminar um curso sem passar por esta aprendizagem”, assegura por seu lado Renata Blanc, que tem a seu cargo a direcção académica do International MBA, o programa a tempo inteiro da mesma PBS.
A segunda razão a favor da incorporação da sustentabilidade nas formações actuais é precisamente a dimensão prática. Desde a “invenção” da Responsabilidade Social Corporativa, o que não é finanças ou negócio “puro e duro” foi arrumado para os minutos finais das reuniões da administração. Embalados pela interpretação (nem sempre fiel) das teorias de Milton Friedman sobre o lucro como primeira responsabilidade das empresas, gerações inteiras de gestores varreram o social, cultural e ambiental para o canto “soft” da gestão empresarial.
Eram os tempos em que Juan Alfaro de la Torre, secretário-geral do Clube de Excelência em Sustentabilidade de Espanha e professor no Instituto de Empresas, era “o homem dos passarinhos”, como o próprio recorda. Como director de responsabilidade corporativa numa das tecnológicas germânicas mais inovadoras do último meio século, Alfaro de la Torre era a cara que levava os temas “marginais” às reuniões da administração. Hoje, já não é assim.
“O que era uma matéria técnica quando eu comecei como director de responsabilidade corporativa da Siemens, há mais de 20 anos, entranhou-se agora nas empresas. Converteu-se num tema estratégico. O que diferencia uma matéria técnica da estratégica é o seu carácter transversal e multidisciplinar. Sustentabilidade é um fenómeno que abarca toda a cadeia de valor”, garante. “Havia uma visão mais economicista, mais centrada no negócio e hoje essa visão mudou”, continua. Não se deixou de ser “economicista”, mas porque os estudos de caso que o mostram são cada vez mais claros, não há contas de empresa sem a componente da sustentabilidade.
“Seja no balanço como activo intangível, seja uma linha de custo ou de receita na demonstração de resultados, a sustentabilidade tem tradução prática, diária, permanente e concreta nas contas da empresa”, continua De la Torre. Seja o peso do risco climático traduzido sob a forma de provisões ou depreciações, seja a tradução contabilística de medidas pró-sustentabilidade, foi quando os números começaram a “contar a história” da sustentabilidade que mais mentes acordaram, mais cabeças começaram a pensar que, mais do que falar, é preciso praticar — e a pensar nas diferentes formas de colocar a sustentabilidade em prática, resgatando-a de debaixo do tapete dos assuntos” fofinhos” com que, durante anos, se entretiveram declarações mais ou menos grandiloquentes, mais ou menos de circunstância.
A terceira razão decorre das duas anteriores: gestores mais conscientes e não insensíveis à sustentabilidade, que já “viram” os números, estudaram casos e estão diariamente à procura de soluções, tornam-se eles mesmos agentes de mudança. Quando forem ao mercado de trabalho para recrutar, já não vão aceitar quem aprendeu ou só pratica a “ciência do século XIX para empresas do século XX”, na feliz acepção de João Wengorovius Meneses, secretário-geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (ver entrevista).
Urge, no entanto, fazer o diagnóstico num país como Portugal, que tem diversos MBA de nível europeu ou mundial. E procurar resposta à pergunta: qual o nível de incorporação da sustentabilidade na formação executiva? Pode-se aprender sustentabilidade na sala de aula?
Para Paulo Soeiro de Carvalho, director-executivo do MBA do ISEG, o desafio é que seja um assunto “transversal e não apenas um ou dois módulos que existem num programa”. No fundo, não pode ser usada “como um adereço ou como algo que hoje em dia quase que é obrigatório numa lógica de comunicação e de marketing”. Deve-se pensar na forma como “fazer a diferença”.
Conteúdos obrigatórios
No caso do The Lisbon MBA (da Católica e da Nova), há cerca de 30 a 35% dos conteúdos obrigatórios do programa que estão ligados ao tema, descreve Maria José Amich. Além destes módulos obrigatórios, há também cadeiras específicas sobre o tema, que são opcionais.
“Seria estranho que numa escola de negócios — e, especificamente, num MBA — não se olhasse para a sustentabilidade como central e transversal em todas as disciplinas”, sublinha Maria José Amich.
Isso significa que “tem de estar em todas as áreas, em todos os departamentos”. A ideia de que o principal objectivo da existência de um negócio deve ser o lucro é “um falhanço”, diz. Porém, não é essa a prática?
Maria José Amich explica que a abordagem do tema é numa lógica “aprender fazendo”. E dá exemplos: no último ano, alguns alunos fizeram um trabalho de consultadoria internacional em que se analisaram quais as oportunidades de descarbonização em São Paulo, no Brasil; outros analisaram métodos para calcular a pegada carbónica das operações de uma grande empresa de telecomunicações.
Ambiente, sociedade e governança — a nova “santíssima trindade” das “bíblias” dos negócios — entraram no jargão pela sigla inglesa ESG (Environmental, Social & Governance) e têm hoje “ênfase em tudo o que são projectos de consultadoria e estágios”, nalgumas escolas, e passaram a ser quase obrigatórios nos estudos de caso que são dados nas aulas.
Já vimos estas discussões antes. Um empresário faz-se na escola ou na empresa? Mutatis mutandis, onde aprendemos a sustentabilidade? Enquanto não se encontra resposta definitiva, as escolas vão dando passos. Dez das escolas portuguesas com formação executiva assinaram a carta de Princípios para a Educação da Gestão Responsável (promovida pela ONU). É uma mera declaração? Sim, mas aquilo que tem vindo a mudar nas salas assenta nos seis princípios que ela contém (Valores, Método, Investigação, Parceria, Diálogo e outra que é propositadamente deixada para a palavra final deste texto).
Na PBS, descreve Rosário Moreira, também foram criadas cadeiras obrigatórias nos três formatos MBA outorgados pela escola do Porto. Nos últimos anos surgiu a disciplina de Estratégia Empresarial de Sustentabilidade e foi repensada a cadeira de Ética e Responsabilidade Corporativa, que agora é Ética Empresarial e Responsabilidade Social.
Além disso, a semana internacional (que se mudou para Berkeley, na Califórnia, é obrigatória e tem avaliação) tem trabalhado temas ligados aos objectivos do desenvolvimento sustentável fixados pela ONU. E o currículo inclui um leque de cadeiras opcionais, como inovação ligada à sustentabilidade. No fim do curso, o projecto final (seja de empreendedorismo ou de consultoria) também se tornou um momento de reflexão e trabalho prático destes temas.
O ensino das escolas de negócio distingue-se pelo recurso insistente aos estudos de caso. Por causa da ascensão do tema da sustentabilidade, tem havido uma viragem. Antigos clássicos das salas de aula começam a ser substituídos por casos menos conhecidos ou sonantes, mas que tocam ou focam a sustentabilidade.
Na PBS, como noutras escolas portuguesas, os professores são desafiados a rever os estudos de caso que davam nas aulas e, se não têm em conta esse tema, a substituí-los por outros.
No caso do ISEG, existe um módulo obrigatório centrado na questão da sustentabilidade, explica o director-executivo do curso. “Tentamos explorar a questão no plano da agenda nacional e internacional e obviamente os impactos que tem no dia-a-dia das organizações”, descreve Paulo Soeiro de Carvalho.
Vai-se aos “conceitos fundamentais” e como é estes se relacionam com questões financeiras e com a estratégia e modelo de negócio das organizações. São cerca de 20 horas, complementados por seminários ou masterclasses com empresas, startups e especialistas.
Mas a aprendizagem tem de extravasar esse módulo obrigatório, anota Paulo Soeiro de Carvalho. No caso do ISEG, é Sofia Santos a coordenadora da área de sustentabilidade do MBA, que foi redesenhado em 2020, para incorporar a sustentabilidade de uma forma mais transversal.
Hoje, é abordada em quase tudo. “Nos modelos de negócio, na forma de organização, nos comportamentos, no relacionamento com mercado, no reporte da informação aos mercados”.
E o que é, afinal, a sustentabilidade? De uma forma resumida, o termo refere-se à capacidade de satisfazer as necessidades actuais de uma geração sem pôr em risco os recursos (e a própria sobrevivência) das gerações futuras. Uma das facetas mais conhecidas é a sustentabilidade ambiental, que implica gerir e conservar os recursos naturais do planeta (sobretudo aqueles que não são renováveis), mas a sustentabilidade pode aplicar-se a uma miríade de outros campos. Por norma, quando se fala em sustentabilidade, fala-se também de sustentabilidade económica e social.
Um estudo divulgado em Maio mostrava que, de 230 grandes empresas analisadas (nove delas portuguesas), 84% praticamente ignoravam a sustentabilidade das suas deslocações e não se comprometiam a reduzir viagens de avião.
Já um estudo divulgado esta quarta-feira pela empresa de software Sage (e realizado pela Portland Communications) mostra que as pequenas e médias empresas de Portugal sentem cada vez mais pressão por parte dos clientes para que prestem atenção às questões de sustentabilidade. No estudo, foram inquiridos 13.118 decisores de pequenas e médias empresas com menos de 250 trabalhadores em 11 países, incluindo Portugal (onde a amostra é de 1046 indivíduos). Os resultados mostram que 59% das pequenas e médias empresas portuguesas analisadas consideram que é algo importante para o seu negócio; e, em 21% dos casos, dizem mesmo que se trata de um factor central.
Quanto aos maiores desafios, as empresas mencionam: os elevados custos e a falta de retorno do investimento imediato. Reside talvez aqui o problema — custos e falta de retorno são expressões malditas nos nossos gabinetes e corredores. A linguagem das empresas atravessa como uma espada o raciocínio que se pode treinar nas salas de aula e, por isso, é difícil responder à questão colocada, sobre se é possível aprender (e ensinar) sustentabilidade e, se sim, onde o faremos — e de que forma.
Assiste-se, por isso, à incessante busca por uma receita que dê certo. “O maior problema é que não há um quadro normativo consistente e coerente para toda a gente adoptar e construir o seu caminho de sustentabilidade”, observava Ilian Mihov, dean do INSEAD, num artigo de Janeiro deste ano, em que se concluía, sem rodeios, que “ensinar sustentabilidade é uma tarefa difícil para as escolas de negócio”.
Em busca da receita perdida, já se encontraram pelo menos características que poderão ser universais. Em primeiro, a pragmática — é preciso praticar, naquele terreno onde as empresas são boas, o da competição (responsável) pelas ideias, pelo talento, pelo capital.
Em segundo, a colaboração — a sustentabilidade terá de ser cozinhada nos livros de contas, no chão de fábrica, nos corredores administrativos. Se todos falam na transversalidade, não esperem encontrar a solução num só gabinete.
Em terceiro, a inovação — olhar para as contas de hoje com os olhos de ontem pode dar mau resultado. É preciso “mudar de lentes”, aceitar outra mundivisão, abraçar outras pessoas que estão à porta do mercado laboral, mas que só entrarão se a empresa os receber com a palavra certa: propósito.