Tribunal declara inconstitucional artigo sobre crime de maus-tratos a animais
Para o Tribunal da Relação de Guimarães, “a descrição típica do ilícito em referência apresenta um nível de indeterminação que é incompatível com o princípio da legalidade”. Arguida acabou por ser absolvida.
O Tribunal da Relação de Guimarães declarou materialmente inconstitucional o artigo do Código Penal que enquadra o crime de maus-tratos a animais de companhia, devido ao seu elevado “nível de indeterminação” sobre a matéria proibida.
Por acórdão de 26 de Setembro, a que Lusa teve acesso esta terça-feira, a Relação esgrime a inconstitucionalidade do referido artigo para absolver uma mulher que tinha sido condenada pelo Tribunal de Vila Verde por maus-tratos a quatro cães.
Em causa está o artigo 387.º do Código Penal, que, no seu ponto 1, refere que “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Estabelece ainda o mesmo artigo, no ponto 2, que, “se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afectação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.
Para o Tribunal da Relação de Guimarães, “a descrição típica do ilícito em referência apresenta um nível de indeterminação que é incompatível com o princípio da legalidade”.
“Basta ver a indeterminação do que possa cogitar-se serem “quaisquer outros maus-tratos físicos” e a não menor indeterminação do que seja o próprio objecto da infracção (animal de companhia)”, refere o acórdão.
O tribunal sublinha que “importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até um ponto em que se tornem objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objectivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos”.
“Do mesmo modo, se é inevitável que a formulação dos tipos legais não consiga renunciar à utilização de elementos normativos, de conceitos indeterminados, de cláusulas gerais e de fórmulas gerais de valor, é indispensável que a sua utilização não obste à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos, sob pena de violação irremissível, neste plano, do princípio da legalidade e sobretudo da sua teleologia garantística”, acrescenta.
Desta forma, a arguida, que em Vila Verde tinha sido condenada a 1800 euros de multa e na pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período de dois anos, acabou por ser absolvida pela Relação.
A Relação ressalva que “não se questiona, evidentemente, a necessidade de protecção jurídica dos animais e da punição dos actos de crueldade sobre eles”.