Ucrânia encontra centenas de corpos num pinhal de Izium, alguns com marcas de tortura

Autoridades ucranianas acusam Rússia de ter deixado um rasto de morte nos territórios que agora abandonou. ONU quer enviar para o local uma equipa que investigue as circunstâncias das mortes.

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Ucrânia diz ter encontrado 500 corpos em Izium, recuperada aos russos Reuters, Joana Bourgard

Os cadáveres de centenas de pessoas começaram a ser lentamente retirados de um pinhal próximo de Izium onde as autoridades ucranianas encontraram uma imensidão de cruzes espetadas na terra. Trabalhadores com fatos azuis e brancos, pás e capacetes passaram todo o dia de sexta-feira a exumar os corpos um a um e a guardá-los em sacos de plástico para serem examinados.

A polícia diz ter identificado à volta de 450 sepulturas numeradas, que se julgam serem na maioria individuais, e pelo menos uma vala comum que continha a inscrição “Exército ucraniano, 17 pessoas. Morgue de Izium.”

“Encontrámos esta vala comum porque os soldados russos puseram um vídeo [nas redes sociais]”, descreveu à Associated Press o comissário responsável pela busca de pessoas desaparecidas a nível nacional, Oleh Kotenko. “Ainda não os contámos todos, mas penso que há mais de 25 [corpos] ou até 30. Talvez não seja a única vala neste cemitério”, disse.

Os jornalistas daquela agência foram os primeiros a ter acesso ao local, ainda na quinta-feira, e dizem ter visto muitas cruzes numeradas junto aos pinheiros. Esta sexta, as autoridades chamaram outros órgãos de comunicação social para acompanhar as exumações. Um jornalista da AFP garante ter visto, e fotografou, um cadáver com as mãos atadas.

“Estamos num local de enterramento maciço de pessoas, civis, e de acordo com as nossas informações todos eles têm sinais de morte violenta”, disse o governador de Kharkiv, Oleh Sinehubov. “Há muitas crianças, há corpos com as mãos atadas atrás das costas. Cada um destes factos será investigado”, acrescentou.

A descoberta deste cemitério improvisado foi divulgada na quinta-feira, quando o chefe de gabinete do Presidente ucraniano e um dos seus principais assessores partilharam no Twitter algumas fotografias do local. “Queremos que o mundo saiba o que está realmente a acontecer e o que é que a ocupação russa provocou. Bucha, Mariupol e agora, infelizmente, Izium. A Rússia deixa morte por todo o lado”, disse Volodymyr Zelensky ainda nessa noite.

Já esta sexta-feira, em entrevista à Reuters, acrescentou: “Até agora há 450 pessoas mortas enterradas. Mas há outras sepulturas separadas com muitas pessoas. Pessoas torturadas.”

Vitali Ganchev, o governador pró-russo da região de Kharkiv que fugiu da zona ao aproximar-se a contra-ofensiva ucraniana, acusou os ucranianos de criarem uma encenação. “Não sei nada sobre enterramentos em Izium”, afirmou à televisão estatal Rossiya-24.

Na grande maioria dos casos, ainda não se sabe quem eram as pessoas enterradas no pinhal e é expectável que a sua identificação venha a levar tempo. Ao retirarem os corpos da terra, os investigadores procuram por sinais ou objectos que permitam mais facilmente reconhecer os cadáveres. Algumas sepulturas, no entanto, têm plaquinhas com nomes e datas de nascimento e morte, flores e velas.

“Nós não víamos quem eles enterravam”, contou ao The New York Times uma mulher, Raisa Derevianko, que mora em frente ao pinhal e diz que os soldados russos transportavam corpos para o local praticamente todas as noites. Outros residentes garantem que ali estão as vítimas de um bombardeamento russo a um prédio de habitação, ainda em Março, quando Izium estava a ser disputada por ambas as partes. Oleh Kotenko diz que pelo menos uma campa continha os restos mortais de três membros da mesma família, incluindo uma criança.

Tal como fez em Bucha e Irpin, onde há fortes suspeitas de terem sido cometidos crimes de guerra, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos anunciou que tenciona enviar uma equipa “em breve” para Izium “para determinar as circunstâncias da morte dessas pessoas”. Tanto os Estados Unidos como a União Europeia, através dos respectivos chefes de diplomacia, manifestaram-se “profundamente chocados” com a descoberta destes corpos e condenaram “as atrocidades” cometidas contra civis.

Enquanto isso, houve combates e bombardeamentos um pouco em toda a frente da guerra. Altos funcionários russos ou nomeados pela Rússia em território ucraniano ocupado morreram em explosões nesta sexta-feira. O procurador-geral da autoproclamada República Popular de Lugansk e a sua vice, o governador de Bardiansk e a mulher estão entre os mortos confirmados. As autoridades pró-russas locais responsabilizaram Kiev, que nega envolvimento. Também houve fortes explosões em Melitopol, na zona ocupada de Zaporijjia, e junto ao edifício governamental de Kherson.

Já a Rússia voltou a bombardear Kharkiv, provocando pelo menos 12 feridos, e Kryvy Rih, cidade-natal de Volodymyr Zelensky.

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