Gravuras de Paula Rego sobre o aborto exibidas nos EUA

As obras vão ser estar expostas em Setembro na feira de arte Armory, em Nova Iorque, e parte da receita das vendas será doada pela família da pintora a uma organização que presta apoio a mulheres que pretendam interromper a gravidez.

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Paula Rego morreu em Junho, aos 87 anos

Oito gravuras de Paula Rego que têm por tema o aborto vão ser exibidas na histórica feira de arte The Armory Show, em Nova Iorque, que decorrerá no Crystal Palace do centro de convenções Jacob K. Javits​, entre os dias 9 e 11 de Setembro.

A presença desta série de gravuras na feira nova-iorquina resultou de uma parceria com a Cristea Roberts Gallery, a galeria londrina que no ano passado dedicou uma exposição à obra gráfica da pintora que morreu a 8 de Junho, aos 87 anos.

Para “honrar o seu legado”, a família de Paula Rego, informa o site da feira, “vai doar uma parte das vendas destes trabalhos à organização Abortion on Demand”, que dá apoio a mulheres com mais de 18 anos que procuram interromper a gravidez de forma informada e segura.

A iniciativa acontece numa altura em que os Estados Unidos vivem o impacto legal, social, económico e moral do facto de o Supremo Tribunal ter optado, em Junho, por revogar uma decisão de 1973, medida que não torna ilegal a interrupção da gravidez, mas leva ao regresso da situação anterior àquela data, quando cabia a cada Estado autorizar ou não o aborto.

Perante esta decisão, muitos artistas e galerias de arte tomaram iniciativas destinadas a acompanhar os esforços dos serviços de apoio às mulheres que enfrentam a interrupção da gravidez, salienta um texto da publicação digital Artnews.

Acerca das obras que vão estar expostas para venda, Sophie Lindo, co-directora da Cristea Roberts, comentou à Artnews que “o trabalho de Paula Rego lida com temas obscuros e complexos”.

“Ela queria fazer as pessoas pararem e ficarem desconfortáveis”, acrescentou, ressalvando que embora as obras não mostrem sangue, o tema “nunca é fácil”.

As mulheres que Paula Rego representa nestas oito gravuras encontram-se num ambiente doméstico, sugerindo que o aborto estava a ser praticado ilegalmente, de forma escondida.

Em Sem título 7 (1999), uma mulher com uma expressão rígida, sentada numa cama com as pernas abertas por duas cadeiras dobráveis, cerra os punhos nos lençóis.

Os corpos e rostos contorcidos pela dor mantêm-se ao mesmo tempo fortes, desafiando todos aqueles que estavam contra o seu direito a terminar com uma gravidez indesejada, e remetem para uma época em que a interrupção da gravidez era proibida em Portugal.

Nos seus rostos é visível a angústia física, mental e emocional de mulheres que muitas vezes passavam por esta provação completamente sozinhas e com risco de vida.

Paula Rego começou a criar obras sobre o aborto na sequência da derrota do referendo sobre a questão, em Portugal, em 1998, que provocou grande desilusão na artista, ela própria tendo admitido abertamente no documentário biográfico Histórias & Segredos, realizado pelo filho, Nick Willing, que tinha abortado, numa altura em que “não havia muita contracepção e os homens não se importavam”.

Obras sobre o mesmo tema, de uma série de dez quadros em pastel, foram exibidas na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em 1999, antes do sucesso do segundo referendo sobre o aborto, em 2007.

Estas peças mais conhecidas da série estiveram já em exibição em todo o mundo, tendo integrado recentemente uma grande retrospectiva que percorreu alguns dos principais museus europeus.

A artista sempre se preocupou com a situação das mulheres em Portugal relativamente às restrições do aborto, que, na sua opinião, “afectou desproporcionalmente os pobres”, como declarou ao jornal britânico The Guardian em 2019. “Se uma mulher fosse rica era mais fácil encontrar uma maneira segura de fazer um aborto, geralmente viajando para outro país, mas as mulheres pobres foram massacradas”, considerou na altura.

Nascida em Lisboa, a 26 de Janeiro de 1935, numa família de tradição republicana e liberal, Paula Rego começou a desenhar ainda criança, um talento que lhe foi reconhecido pelos professores da St. Julian's School, em Carcavelos, e partiu para a capital britânica com 17 anos, para estudar na Slade School of Fine Art.

Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, para fazer pesquisa sobre contos infantis, em 1975, e foi em Londres que conheceu o futuro marido, o artista inglês Victor Willing (1928-1988), cuja obra Paula Rego exibiu por várias vezes na Casa das Histórias, em Cascais.

Em 2010, foi ordenada Dama Oficial da Ordem do Império Britânico pela rainha Isabel II e recebeu, em Lisboa, o Prémio Personalidade Portuguesa do Ano atribuído pela Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, entre muitas outras condecorações que arrecadou em vida, como a medalha de mérito cultural do Ministério da Cultura português.